Do You Speak English?

Amigos,

Acabou o Tour de France – que eu comentei e palpitei muito no Facebook e pouco aqui – e já estamos às portas das provas de ciclismo dos Jogos Olímpicos de Londres.

Juntando uma coisa com a outra veio o título deste post: “Você fala inglês?”. Por que?

Porque os anglo-saxões (americanos, australianos e ingleses) estão dominando o esporte e destronando as nações tradicionais (França, Bélgica, Itália, Espanha e Holanda). Algumas observações:

1. Tour de France – além das 7 vitórias de Lance Armstrong (1999-2006), as duas últimas foram de Cadel Evans (Austrália) e Bradley Wiggins (Inglaterra), com o fortíssimo Chris Fromme em 2o. E no Giro d’Italia tivemos a surpresa da década com a vitória de Ryder Hesjedal, do Canadá (foto)!

2. Nos Mundiais, tivemos Mark Cavendish (Inglaterra) ano passado e Cadel Evans (Austrália) em 2009.

3. Nos sprints temos de novo Cavendish como o grande nome e Matt Goss (Austrália) como um dos melhores – este é o atual vice-campeão mundial e venceu a Milano-San Remo de 2011. E até recentemente outro australiano brilhava forte nos sprints: Robbie McEwen (3x Maillot Vert), na foto abaixo.

4. Equipes – no passado, ciclista de língua inglesa que se profissionalizava tinha que correr em equipe européia. Hoje em dia não! Grandes equipes são montadas por lá mesmo, vide USPS (Estados Unidos – que virou Discovery Channel [foto] e depois RadioSchak), a australiana Orica-GreenEdge e a nova sensação britânica Sky (que levou o Maillot Jaune e o segundo lugar no pódio).

A última vez que tivemos dois ciclistas da mesma equipe fazendo esta festa foi no triênio 1984 (1o Fignon e 3o Lemond, pela Renault-Elf Gitanes), 1985 (1o Hinault e 2o Lemond, pela La Vie Claire) e 1986 (1o Lemond e 2o Hinault pela mesma equipe).

Tour 1985 – Que podium: (esq. para dir.):
Fabio Parra (COL) – Melhor Jovem
Rudy Matthijs (BEL) – vencedor da etapa final
Jef Lieckens (BEL) – Líder Metas Volantes (Camisa Vermelha)
Lucho Herrera (COL) – Rei da Montanha
Bernard Hinault (FRA) – Vencedor, Camisa Amarela
Greg Lemond (EUA) – Classificação Combinada (2o lugar)
Sean Kelly (IRL) – Camisa Verde
 

5. Jogos Olímpicos – todo mundo diz que o circuito londrino foi feito para Cavendish. É bem possível. Por outro lado, esta é uma região da Inglaterra que não tem muita subida mesmo. Não que tentassem conseguiriam fazer uma prova para um montanheiro. Enfim , ele é o favorito. E se os 250 km subindo Box Hill foram pesados demais para ele, o australiano Matt Goss será o grande favorito (junto com Tom Boonen, na minha opinião).

6. Clássicas – este é um terreno em que os anglo-saxões ainda não brilharam com consistência. As vitórias australianas na Milano-San Remo em 2011 (Goss) e 2012 (Simon Gerrans), e na Flèche Wallone (Evans, 2010 – foto) não são suficientemente fortes para se falar em dominação. Mas indicam que estes ciclistas e suas equipes não estão lá a passeio.

Anos 80

A geração de Lance Armstrong (e de todos estes craques que comentei acima) é herdeira de alguns campeões anglo-saxões que brilharam há 25-30 anos atrás. Foram eles:

  • Greg Lemond (EUA) – 3 Tour de France, 2x Campeão Mundial, 1 Dauphinè Libèrè
  • Stephen Roche (Irlanda) – 1 Tour de France, 1 Giro d’Italia, 1x Campeão Mundial [foto](todas no mesmo ano!), 1 Paris-Nice, 1 Tour de Romandie
  • Sean Kelly (Irlanda) – 1 Vuela a España,  2 Tour de Suisse, 7 Paris-Nice, 2 Paris-Roubaix, 2 Liège-Bastogne-Liège, 2 Milano-San Remo, 3 Giro di Lombardia, 1 Gent-Wevelgen, 4x Maillot Vert (Tour de France)
  • Phil Anderson – 1 Tour de Suisse, 1 Tour de Romandie, 1 Dauphinè Libèrè, 1 Paris-Tours, 1 Amstel Gold Race, 1 Ch. de Zurich, 2 GP Frankfurt, mais 5x Top 10 do Tour de France (Foto, Tour 1981)

Como deu para notar, todos verdadeiros gigantes da história do ciclismo. Mas NENHUM deles correu por uma equipe do seu país. Também não tinham um grupo de conterrâneos à sua disposição. Eles tinham era que vencer o preconceito por falarem inglês e conquistar o respeito dos colegas e patrões na estrada…com vitórias.

Motivos

Eu vejo a coisa da seguinte forma:

  • Decadência da Europa continental: eu costumo dizer que as grandes nações europeias tornaram-se preguiçosas, em função das políticas sócio-econômicas dos seus governos. Faltou inovar, faltou romper com antigos padrões de comportamento. Em tudo, e também no ciclismo.
  • Planejamento e obstinação anglo-saxã: quando estes povos decidem fazer algo sempre fazem bem feito, porque não poupam esforços, têm muito método e inovam. O ciclismo australiano era inexistente há apenas 20 anos…e o britânico há apenas 10. O americano é mais errático, mas quando apostam vencem.

O futuro próximo

Não é preciso muita pesquisa para se concluir que o futuro é belo para a trinca EUA-Reino Unido-Austrália. Alguns nomes saltam aos olhos:

  • Grand Tours – o britânico Chris Fromme, de 27 anos, parece o mais certo candidato a Rei dos Grand Tours. E tem o jovem americano Tejay van Garderen, de 23 anos (5o do Tour 2011 e Maillot Blanc de melhor sub-25, 5o da Paris-Nice 2011).
  • Rolador – Taylor Phinney é a fera da Perseguição Individual, tem apenas 22 anos e já venceu uma dúzia de títulos Mundiais e Americanos sub-23, além de diversos Prólogos (incluindo o do Giro 2011). E duas Paris-Roubaix sub-23…o menino tem jeito para corredor de pavé também! Eu não tenho dúvida que será o sucesso de Fabian Cancellara em apenas dois anos.

Onde a coisa pega mesmo para a turma que speak English é nas Clássicas. Ainda não surgiu um sucessor aparente para Sean Kelly (foto, Tour de France). A razão, para mim, é simples: para estes países o que conta mesmo é o Tour de France. As equipes e os ciclistas querem mesmo é vencer no Hexágono francês, de preferência a Classificação Geral. Mas serve também etapas ou as demais classificações.  E as Clássicas? Deixa para belgas e italianos!

Então, Do You Speak English?

Thanks + best regards,

Fernando

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Peter Sagan, o novo…Roger de Vlaeminck?

Caros,

Este Tour de France 2012 começou de forma clássica, ou seja:

  • O grande rolador da sua geração vence o prólogo (Fabian Cancellara).
  • A primeira semana foi um festival para os sprinters, com três deles dividindo as glórias (3x Sagan, 2x Greipel e 1x Cavendish).
  • Também foi um festival de tombos, que vai atrapalhar a vida de Frank S. e outros semi-favoritos.

Mas o destaque mesmo deste Tour é o Eslovaco Peter Sagan, da Liquigas-Cannondale. Este cara é um craque, um absurdo de forte. E ele vence com uma insolência sem igual. Com apenas 22 anos, eu não consigo me lembrar a última vez que um garoto vence múltiplas etapas em sua primeira participação no Tour!

Aliás, a concorrência pelo Maillot Vert tende a ser a mais emocionante deste Tour, pois são quatro feras em sua busca: Sagan (líder atual), Greipel, Cavendish e Goss.

A breve (e rica) história de Peter Sagan

Primeiro, ele é nascido na jovem nação da Eslováquia, parte oriental da antiga Checoslováquia que deixou de existir em 1990, quando caiu o Muro de Berlin. Este pequeno país eslavo não tem qualquer tradição no ciclismo profissional e Sagan, a esta hora, deve ser herói nacional.

Foto: é logo ali…no meio da Europa.

Alguns dados que assombram:

  • Como JUNIOR: Campeão Mundial MTB, Vice no Mundial de Ciclo-cross, segundo na Paris-Roubaix.
  • Aos 20 anos de idade: 2 etapas + Classificação por Pontos da Paris-Nice;  2 etapas + Classificação por Pontos do Tour of California; 1 etapa do Tour de Romandie; 2o no duríssimo G.P. de Montreal.
  • Aos 21 anos: 3 etapas Vuelta a España; 2 etapas + Classificação Geral e por Pontos do Tour da Polônia; 1 etapa + Classificação por Pontos Tour of California; 2 etapas + Classificação por Pontos Tour de Suisse; 3 etapas + Classificação Geral e por Pontos do Giro di Sardegna.
Foto: Sagan surpreende o pelotão, os jornalistas e as donas de casa da Eslováquia na Paris-Nice 2010.

Ok, ok…o menino é um bom sprinter, suficientemente consistente para vencer a Classificação por Pontos de voltas menores. Não! Ele era apenas jovem demais. Olha o que fez este ano:

  • 3 etapas do Tour de France (até agora)
  • 3 etapas + Classificação por Pontos do Tour de Suisse
  • 5 etapas + Classificação por Pontos do Tour of California
  • 1 etapa da Tirreno-Adriatico

E eu chamo a atenção para a temporada de Clássicas do fenômeno eslovaco em 2012:

  • 4o Milano-San Remo
  • 2o Gent-Wevelgen
  • 5o Tour de Flandres
  • 3o Amstel Gold Race

Ou seja, Sagan mostrou que anda muito forte em Clássica longa e plana (San Remo), em pavés (Flandres e Wevelgen) e com subidas (Amstel). É um candidato a canibal como poucos na história.

Neste Tour ele venceu como sprinter puro (hoje) e como Gilbert numa Flèche Wallone. Peter Sangan parece ser um animal híbrido, que mistura as qualidades de Gilbert + Boonen + Cippolini (no exibicionismo!).

Foto: esta etapa foi desenhada para Gilbert e parecia a Flèche Wallone, mas deu Sagan.

Em fevereiro deste ano, a ótima revista inglesa ProCycling publicou uma longa matéria com  Sagan e eu tive a sorte de comprar esta revista. Foi ali que eu me atentei para o que se falava dele lá fora. Ok, eu me lembro bem das suas duas vitórias na Paris-Nice, em 2010, mas as suas demais vitórias não me impressionaram.

Foto: capa de revista Top aos 22 anos. Os ingleses acertaram em cheio!

Mas quando Phillipe Gilbert declarou, para a revista, que ele em forma só poderia ser batido por Peter Sagan, aí eu tomei atenção. Seus líderes, colegas e patrões na Liquigas o cobriram de elogios na matéria. Os italianos diziam que ele era um fuoriclasse. Imagino o que estão falando agora!

Por que Roger de Vlaeminck?

Porque o Cigano de Eeklo venceu os 5 Monumentos (San Remo, Flandres, Roubaix, Liège e Lombardia), além de 22 etapas do Giro e a Classificação por Pontos 3 vezes. E também começou cedo, pois aos 22 anos de idades venceu o Het Volk e foi Campeão Belga.

Como quase ninguém na história, De Vlaeminck era capaz de vencer em qualquer terreno (salvo na alta montanha, apesar de ter levado o Tour de Suisse de 1975). Suas 4 vitórias na Paris-Roubaix, recorde que só agora foi alcançado por Tom Boonen, marcaram a carreira de Roger, Le Gitan.

Foto: Milano-San Remo 1979, já veterano e ainda vencendo Clássicas…e no sprint!

De Vlaeminck teve adversários duríssimos em sua trajetória rumo ao sucesso. Foi Merckx e Hinault em todo tipo de corrida, a armada belga nas Clássicas, uma das melhores safras de italianos em todos os tempos (Gimondi, Moser, Saronni) etc. Peter Sagan não terá vida fácil também, pois se os ciclistas de Grand Tours não impressionam atualmente, as Clássicas tem grandes nomes em Boonen, Gilbert, Cancellara, sem falar nos sprinters como Cavendish, Greipel etc.

Foto: com Merckx e Maertens. Isso era concorrência…

Peter Sagan vai vencer o Tour de France um dia?

Aposto que em breve vão começar a especular sobre isso. Já o fizeram com Cancellara (e eu   dei risada, pois o suíço não tem biotipo para isso) e ano passado foi a vez de Gilbert (este não rola forte e, apesar de subir melhor que Cancellara, não é ciclista para alta montanha).

O jovem eslovaco mede 1m84cm e pesa 73 quilos (minha altura e 20 quilos a menos…). O grande Miguel Indurain era maior (1m88cm) e mais pesado (80 kg), mas rolava muito e se defendia pra lá de bem na alta montanha.

Aposto que Peter Sagan vencerá várias Clássicas nos próximas 3 temporadas e aos 25 anos, após emagrecer um pouco mais, atacará a Vuelta ou o Giro para testar suas pernas nas chegadas em altitude. Se demonstrar potencial de vitória, ele abandona as Clássicas e focará os Grand Tours, mais ou menos como fez o suíço Tony Rominger (3x Vueltas, 1x Giro e um segundo no Tour) na década de 90.

Se também for bem sucedido num Grand Tour terá passado o grande belga! Mas Peter Sagan ainda tem muita quilometragem pela frente.

Abraços e bon Tour pour tous!

Fernando

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Boonen vence seu 2o Campeonato Belga

Caros, depois de vencer tudo nos ‘pavés’ (Roubaix, Flandres, Wevegen, E3 Harelbeke), Tom “Tomeke” Boonen leva o seu segundo título belga. O primeiro foi em 2009, ano em que também venceu a Paris-Roubaix e a semi-clássica em Kuurne.

Desta forma ele repete o sucesso que Phillipe Gilbert teve ano passado, que também havia vencido as três Clássicas (as das Ardenes) e o título belga.

Boonen rachou o pelotão, fugindo com outros 10, puxou com um condenado e rachou o grupo, indo para a ponta com outros 4. Continuou puxando forte demais. Os demais, incluindo o seu gregario, tinham dificuldades para acompanhá-lo.

Ele estava tão possuido que quando estava no grupo de 11 ciclistas teve um momento em que foi ao fundo do pelotão dar uma bronca no gregario cansado, que andava meio escondido. Faltando 15 km, já no grupo de 5, foi dar uma dura num pobre ciclista local (dessas equipes pequenas) que já não conseguia mais puxar.

E, apesar de ter trabalhado tanto, vencer o sprint foi uma mera formalidade. Mas ele deve um grande “Dank!” (obrigado em flamengo) para o segundo colocado, o forte e desconhecido Kristof Goddaert (AG2R). Este jovem de Sint Niklaas puxou tanto quanto Boonen, até o final, e foi o único que o acompanhou no sprint.

Não duvido que tenha rolado uma conversa do tipo: “Puxa aí, amigão, que se eu ganhar tu leva mil euros”. O fato é que todos querem mostrar serviço numa corrida dessas e pode até rolar um contrato para ele com a própria Omega Pharma Quick Step para o ano que vem.

Voltando ao Gilbert, que não venceu NENHUMA corrida este ano, ele até que tentou. Atacou nos 20 quilometros finais, abriu 10 seg do pelotão mas não ficou a menos de 20 seg do grupo de Boonen. Foi o tradicional “chiclete”, tomando vento sozinho, e acabou sendo alcançado pelos perseguidores. Que ano, hein, Gilbert!

Para mim foi uma grande emoção também: a corrida foi na pequena cidade de Geel, local onde eu assisti a minha primeira corrida profissional! Foi lá que aconteceu o prólogo da Volta da Bélgica de 1989, mas eu escrevi sobre isso outro dia. Impressionante também foi notar com aquela minúscula cidade cresceu neste 23 anos…

Agora o belga vai para o Tour de France com a moral nas alturas e vestindo o maillot tricolor de campeão nacional. Vai para vencer o Maillot Vert e, principalmente, atingir a forma da sua vida para ser CAMPEÃO OLÍMPICO. O circuito londrino é suficientemente duro para cansar ou eliminar os sprinters puros e Boonen é um velocista que aguenta sofrer. Seria demais ele vencer esta também.

Nenhum campeonato nacional deste ano se igualou ao belga. Eu assisti a prova via Sporza, tentando decifrar o “fofo” idioma flamengo…dureza, mas foi demais!

Abaixo, o que aconteceu em 2009! Bom domingo aí, galera, e que venha o Tour!!

Abs, F.

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Campeonatos Nacionais

Caros,

Chegamos numa daquelas datas para lá de tradicionais do nosso esporte: os Campeonatos Nacionais de ciclismo, que – desde os tempos em que os bichos falavam – acontece 1 semana antes da largada do Tour de France. Salvo no Brasil, que desde que estou no esporte (há 35 anos…) teve o formato, a data, tudo, alterado constantemente – inclusive não ter o campeonato, como já aconteceu no passado.

Aqui, nos anos 70, e parte dos 80, tínhamos o Campeonato disputado sob a forma de seleções estaduais. Eram cariocas x paulistas x catarinenses x paranaenses. Estas eram as potências daqueles tempos, com São Paulo tendo considerável vantagem…mas apenas porque Caloi e Pirelli contratavam todos os paranaenses e catarinenses que brilhassem – mais tarde vieram craques de outros estados, como Minas Gerais, Goiás, R.G.Sul etc. De uns anos para cá, o campeonato passou a ser disputado por equipes de marca e, finalmente, passou a ser corrido no mesmo domingo pré-Tour de France, como acontece na Europa e no resto do mundo. Parabéns para a CBC por ter colocado ordem na casa.

Um tema não resolvido, porém, é descobrir quem foram os nossos campeões nacionais ao longo da história. Tentei achar e não consegui. Não sou um craque em Google, mas achar os vencedores dos demais países sérios é coisa de criança. Se alguém encontrar os nossos, por favor nos envie o link.

Malha Tricolor – não sei se é óbvio para todo mundo, mas os Campeões Nacionais usam um “Maillot” especial – geralmente “Tricolor”, com as cores nacionais – ao longo dos 12 meses após o campeonato. Só não o usa direto quem vira Campeão Mundial no mesmo ano, dado que este tem muito mais prestígio.

Abaixo, Hinault de bleu-blanc-rouge, impõe seu rítmo ao holandês Hennie Kuiper (Raleigh) e ao português Joaquim Agostinho (Flandria), no seu primeiro Tour de France, em 1978.

O caso do nosso Murilo Fischer, bi-campeão brasileiro, e sua camisa-bandeira do Brasil, é uma das poucas exceções à regra, como todos sabemos. Como esta foi a primeira vez que uma camisa de Campeão Brasileiro foi utilizada no ProTour, Murilo e a Garmin a desenharam e aprovaram seu uso. Agor estou na dúvida se o próximo campeão continuará usando-a ou mudará o padrão – espero que não o façam de forma radical, pois é importante que criemos uma Camisa de Campeão Brasileiro, como têm a Bélgica, a França, a Itália, a Holanda e a Espanha.

Abaixo, a foto que eu esperei 33 anos para ver acontecer: um brasileiro num pódium Top na Europa, vestindo o nosso Maillot

O maior caso de “troca de Maillots” da história aconteceu com o belga Freddy Maertens. Acompanhe:

  • Foi Campeão Belga em Junho de 1976 e vestiu seu Maillot vermelhoamarelopreto, das cores nacionais da Bélgica
  • Veio o Tour de France e ele vestiu o Maillot Jaune no Prólogo e ao perdê-lo nas montanhas, simplesmente o trocou pelo Maillot Vert – ele liderou a Classificação por Pontos de ponta a ponta! Ah, sim, e ganhou 8 etapas (recorde histórico, junto com Merckx).
  • Em agosto, participou de diversas kermesses na Bélgica usando o Maillot Vert do Tour (por prestígio) e no final do mês ganhou o Mundial em Ostuni, na Itália. Aí passou a usar a camisa do Arco-íris (Maillot Arc-en-ciel, ou Maglia Iridata, ou Rainbow Jersey).

Os 60 dias que separaram o campeonato belga e o mundial de 1976 foram, provavelmente, o período de mais vitórias prestiosas de um ciclista na história. Só Maertens e ele, Sua Excelência, Merckx conseguiram tais feitos.

Abaixo, foto rara de Merckx com seu uniforme de campeão nacional…eu não consegui achar uma de Maertens.

Contra-relógio – existe também a camisa de campeão nacional de CRI, só que o campeão só pode usá-la nas provas desta especialidade. Reparem que no CRI do Tour de France tanto o Campeão Mundial como os Campeões Nacionais de Estrada não vestem seus Maillots nestes dias – e vice-versa. Até o ano passado era Fabian Cancellara quem largava na rampa inclinada com o Maillot Arc-en-ciel e não Evans ou Hushvod!

Abaixo, mesma prova, dois Maillots: Cancellara usa o de Campeão Suiço de Estrada em etapa em linha do Tour, mas no CRI veste o de Campeão Mundial de contra-relógio

Ainda no aspecto “Maillot” Nacional, depois que um novo ciclista o conquista, o ex-campeão tem o direito de usar umas listrinhas com as cores nacionais na barra da manga – veja a foto abaixo. Portanto, sempre que você identificar um ciclista com uma camisa assim, levemente diferente das demais da sua equipe, saiba que ele foi Campeão Nacional.

Abaixo, a manga de Robbie McEwen “denuncia” que ele foi Campeão da Austrália no passado

“Excesso de países”

Ate a queda do Muro de Berlim, na virada das décadas de 80-90, os ciclistas da antiga Cortina de Ferro não corriam no ciclismo profissional. Em outras palavras, o pelotão pro era composto, majoritariamente, por italianos, franceses, belgas, holandeses e espanhois. Estes eram acompanhados por uns poucos portugueses, britânicos, suiços, austríacos e escandinavos.

Portanto, eram poucos países e poucas camisas de campeões nacionais para identificar no pelotão. Quando as equipes tiravam fotos, cada uma delas tinha, no máximo, um campeão nacional. Depois de 1990, algumas dezenas de países novos surgiram (todos os que haviam sido encampados pela Rússia na URSS, ou pela Iugoslávia) ou simplesmente passaram a ter ciclistas correndo como profissionais.

Abaixo, a melhor equipe do mundo daqueles tempos tinha um Campeão Nacional em 1983: Johan van de Velde, campeão holandês

Sem ter a pretensão de listar todos eles, o que quero destacar é que hoje em dia as equipes do ProTour acabam tendo campeões nacionais de países como: Russia, Estônia, Lituânia, Latvia, Bielo-Russia, Ucrânia, Georgia, Cazaquistão, Usbequistão, Polônia, Hungria, Romênia, Rep.Checa, Eslováquia, Eslovênia, Servia, Croácia e muitos outros menos cotados. Por conta disso muitas fotos de apresentação de equipes são um festival de camisas de cores diferentes, pois tem campeão nacional de vários países. E graças a Deus agora tem até do Brasil!

Abaixo, olhado com atenção você encontrará campeões nacionais dos seguintes países: Luxemburgo, Suiça, Alemanha e EUA. Muito, né?! Pelo menos foram discretos no design.

Que vence um Campeonato Nacional

Rigorosamente, tem de tudo!

  • Os grandes nomes da história o venceram: Bartali, Coppi, Merckx, Hinault, Fignon, Indurain e Armstrong.
  • Fenômenos das Clássicas o venceram: Van Steenbergen, Van Looy, Maertens, De Vlaeminck, Godefroot, Musseuw, Gilbert, Boonen, Raas, Kuiper, Moser, Saronni, Argentin, Bettini, Bartoli etc.
  • Grandes escaladores puros o venceram: Pollentier, Van Impe, Criquielion, Thévenet, Poulidor, Zoetemelk, Winnen, Bugno, Bahamontes, Julio Jimenez, “El Chaba” Jimenez, “Purito” Rodrigues e todos os demais espanhois!
  • Até sprinters o venceram: Steels, Nelissen, Darrigade, Gavazzi, Cippolini, Jalabert (quando era sprinter!). Chamou a minha atenção que num país tão plano como a Holanda não termos sprinters vencendo o Nacional (um Van Poppel ou um Blijlevens). Sem surpresa não termos nenhum espanhol listado aqui…

Abaixo, uma foto rara: um improvável e veterano Lucien van Impe bate o muito mais veloz e mais jovem Marc Sergeant no “Belgão 1983”

E também uma infinidade de “apenas” bons ciclistas venceram os Nacionais dos diversos países. Mas uma coisa curiosa é o fato de termos alguns ciclistas que são verdadeiros especialistas no seu campeonato nacional.

Vamos aos principais casos:

  • Bélgica – o super sprinter Tom Steels venceu 4 vezes, fato raríssimo nos tempos modernos para qualquer país. Steels chegava no Nacional no auge da forma, pois entrava no Tour de France para ganhar muitas etapas. E como aguentava bem os “bergs” dos Flandres venceu em vários terrenos, apesar de ser rotulado como sprinter. Eu o conheci na Paris-Nice 1997 e ele foi muito simpático. Depois de Steels vem a fera dos anos 50 Rik van Steenbergen (Rik I) com suas 3 vitórias e os ótimos Rik van Looy (Rik II), Pollentier, Musseuw, Godefroot, De Vlaeminck e o mais jovem deles, Stijn Devolder, com 2. Vale destacar uma vitória de pai e filho no Nacional belga, cortesia da família Merckx…Eddy pai e Axel filho venceram o título nacional uma vez cada!
  • Holanda – o “Holandesão” tem uma peculiaridade: como históricamente quase sempre teve uma única equipe dominante (Raleigh, Panasonic e mais recentemente a Rabobank), o campeão nacional tende a sair de uma dessas. Não é a toa que Jan Raas (Raleigh) e Michael Boogerd (Rabobank) venceram o Nacional 3 vezes cada.
  • Itália – aqui está um Campeonato em que os grandes ídolos e outros nem tanto o venceram muitas vezes. Não dúvida que este é o campeonato mais disputado e cercado de polêmica, graças a rivalidade entre os campionissimi. Por exemplo, é o único país em que os seus maiores ciclistas o venceram múltiplas vezes: Girardengo (9x), Guerra (5x), Binda (4x), Bartali (4x, num intervalo de enormes 17 anos entre o primeiro e o último) e Coppi (4x). Nos anos 70 e 80, Paolini, Moser e Gavazzi venceram o “Tricolore” 3x. Atualmente, o piemontês Giovanni Visconti, da Movistar, também já o venceu 3x e mantém esta tradição tão italiana.
  • Espanha – a tradição aqui é…não haver tradição ou padrão algum. A maioria dos bons espanhois venceu o Nacional e poucos duas vezes. O fato de Freire nunca haver vencido-o, apesar de sempre estar em forma no mês de julho, denuncia que a Real Federação Espanhola “capricha” nos circuitos, feitos para não-sprinters. Curiosidade: o primeiro vencedor do Campeonato Espanhol foi um…PORTUGUÊS, em 1897: José Pessoa. Talvez tivessem feito um campeonato ibérico ou o português corresse na Espanha e naquela época isso fosse permitido.
  • França – como no caso espanhol, todos os bons e vários não tão bons faturaram “le maillot tricolore”. Destaque total para o descendente de poloneses Jean Stablinski, que venceu 4x. Além disso, foi Campeão Mundial em 1962 (quando eu nasci) e La Vuelta a España em 1958.

Abaixo, Tom Steels exibe sua potência no Tour de France vestido de Campeão Belga…Zabel (à esquerda, vestido de Campeão Alemão) e McEwen (de Rabobank) não tiveram chance.

Abaixo, Francesco Moser, o campionissimo tricolore, que amava a Paris-Roubaix e o seu Nacional: venceu 3 vezes cada uma delasAbaixo, o poster diz tudo: Jan Raas, Rei das Clássicas (em holandês)…e do Campeonato Holandês também.

Enfim, isto foi um pouco da história desta corrida tão tradicional do nosso esporte. Agora é torcer para o seu ciclista favorito em cada país neste domingo! Eu aposto numa briga boa entre Boonen e Gilbert na Bélgica…e você?

Abraços, Fernando

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Tour de France 2012…e 2002, 1992, 1982 e 1972

Bonjour!

Le Tour de France 2012 está chegando e surgiu a ideia de analisar o Tour a cada 10 anos, nos anos terminados em ‘2’, desde 1972. Curiosamente, os 4 vencedores das 4 provas disputadas nos últimos 40 anos foram os GRANDES ciclistas deste período.

Lamentavelmente o mesmo não acontecerá neste ano, pois, no máximo, teremos Cadel Evans conquistando seu segundo Tour – e não muita coisa antes disso (um Mundial e uma Flèche Wallone são os grandes destaques da sua carreira). Seus rivais diretos venceram ainda menos. O Tour poderá até ser disputado, equilibrado…mas não terá campeões com o mínimo de carisma. E eu sou daqueles que acha que é isso que nos faz sonhar.

Pior de tudo isso é que caras como Evans, Wiggins, Sanchez (taí um pódium possível, né?) já passaram dos 30 e não vencerão grande coisa mais na vida…e, posso piorar?, não tem uma geração forte vindo aí.

Mas o que aconteceu nas últimas décadas, no Tour de France de ano “2”:

1972: Eddy Merckx

Este Tour teve 20 etapas e uma distância de 3.846 km – bruto! A média horária fora de 35,4 km/h – parece baixa para os padrões de hoje, mas se considerarmos a diferença de equipamento, alimentação, treinamento etc., aposto que os ciclistas de hoje ficariam longe disso.

O Canibal chegou neste Tour já tendo vencido, apenas no ano de 1972, mais do que a maioria do pelotão vence na carreira toda: o Giro d’Italia e as Clássicas Milano-San Remo, Liège-Bastogne-Liège e Fléche Wallone…mais tarde ainda venceria mais um “Monumento”: o Giro di Lombardia. Um monstro!

Largando com a camisa do Arco-íris, por ter sido Campeão Mundial em 1971, ele conquistaria a sua 4a vitória consecutiva, tendo como companheiros de pódium o campionissimo italiano Felice Gimondi (a 10 minutos…hoje isso seria impensável, pois ninguém ataca de longe!) e o ‘eterno segundo’ Raymond Poulidor, da França.

O Grande Eddy venceu 6 etapas e também a Classificação por Pontos – mesmo não sendo sprinter – e ficou em segundo na Classificação das Montanhas, só perdendo para o imbatível Lucien van Impe (uma espécie de Richard Virenque dos anos 70 e 80).

Abaixo, Merckx impõe o rítmo, com Ocaña à esquerda e Poulidor à direita

Eram outros tempos: os belgas, em conjunto, venceram 14 etapas de um total de 20! Incrível! Já a França colocou 4 ciclistas entre os Top 10 e Portugal teve o seu lendário Joaquim Agostinho em 8º (foi 3º da Classificação das Montanhas!).

A corrida – este Tour era cercado de expectativa em função do drama e controvérsia do ano anterior, quando um superior Luis Ocaña se arrebentou e abandonou a prova vestindo o Maillot Jaune…para em seguida dizer que Merckx não merecia a vitória. Merckx também disse isso, mas Ocanã foi deselegante e o belga veio com sede de vingança.

Eddy passou a primeira semana da competição, em terreno plano, disputando os sprints intermediários, à caça de bonificações de tempo – sempre trocando ombradas com o favorito para o Maillot Vert, o francês Cyrille Guimard. Agora fala sério comigo: dá para imaginar Armstrong, Contador, Schleck etc., fazendo isso?

Abaixo, fuga no plano: Merckx e Thevenet (Peugeot), candidatos ao Maillot Jaune, atacam antes das montanhas, levando juntos sprinters (Guimard, de Verde, atrás de Merckx, e Godefroot, vestido de “tricolor belga”).

Nas montanhas, os “suspeitos” de sempre (Ocaña, Poulidor, Zoetemelk, Thevenet, Van Impe, Agostinho) atacavam o Rei, mas sem sucesso. Ocaña levaria mais um tombo, perdendo pouco mais de 1 minuto, e alegando uma infecção pulmonar abandonou a prova quando já estava a 5 minutos de Merckx. Este Tour foi, de fato, uma grande luta…pelo segundo lugar.

E uma última palavra vai para o Homem – e não para o Campeão – Eddy Merckx: ao final do Tour, Eddy presenteou o seu Maillot Vert para o francês Guimard, que abandonara a prova dias antes, vestindo justamente esta túnica de Rei dos Sprinters. Cavalheirismo, fidalguia sem igual.

1982: Bernard Hinault

Corrido num total de 3.507 km, em 22 etapas, a média horária deste Tour foi de 38,0 km/h. Considerado como sendo quase que um passeio ciclístico para Bernard Hinault, ele se deu ao luxo de disputar o sprint no Champs Elysee…e vencer os sprinters na sua arena maior! Lendário!

O maior campeão da história do ciclismo francês – e para mim o segundo maior da história – chegava ao Tour ao melhor estilo Eddy Merckx: tinha vencido o Giro d’Italia (e 4 etapas) semanas antes – só que não tinha vencido nenhuma Clássica. No fim do ano venceria mais um GP des Nations.

Abaixo, Hinault em fuga no Giro 82, com a fera sueca Tommy Prim (Bianchi) e o eterno Rei da Montanha, o belga Van Impe (já vestido de Re de la Montagna)

Em termos de carreira pré-1982, ele já era o melhor do mundo, tendo vencido até aquela data as seguintes grandes competições: 3 Tour de France, 2 Giro, 1 Vuelta, 1 Mundial, 1 Roubaix, 2 Liège, 1 Flèche, 1 Lombardia, 1 Amstel, 3 GP des Nations etc. Comparável? Só Merckx!

No pódium Hinault estava acompanhado do seu ‘sparring’ holandês Joop Zoetemelk, que pela terceira vez ficava em segundo para o francês (venceu em 80, mas por conta do abandono do Blaireau graças a uma tendinite). Os 6 minutos que o bretão colocou em Zoetemelk foi uma formalidade, pois se atacasse com mais vontade teria feito um estrago épico, como havia feito em 1981 (15 minutos em cima deVan Impe).

Abaixo, Hinault força o rítmo com os melhores da época: atrás, Robert Alban (Motobecame, 3o do Tour 81) e Raymond Martin (Coop, 3o deste Tour 82).

Ao final, foram 4 vitórias de etapa do Grand Breton. E uma curiosidade impensável nos dias de hoje: 4 holandeses no Top 10 (Zoetemelk em 2º, Van de Velde em 3º, Winnen em 4º e Kuiper em 9º – os 4 correndo para 4 equipes diferentes).

Abaixo, algo que nem Merckx: vestido de Jaune, Hinault bate os sprinters e leva a etapa final do Tour nos Champs Elysee! À sua esquerda o holandês Adrie van der Poel, e logo atrás, com a cabeça erguida, o derrotado Maillot Vert Sean Kelly.

1992: Miguel Indurain

Com o Tour já num estilo mais moderno e similar ao que temos hoje, o espanhol firmava-se como herdeiro das glórias de Merckx e Hinault. Era a segunda vitória consecutiva do Navarro, que esmagara seus adversários no contra-relógio e gerenciava a fúria dos escaladores nas montanhas.

E reparem na diferença de média horária deste Tour: 39,5 km/h (3.975 km para 21 etapas).

Numa imensa coincidência, mais uma vez o vencedor do Tour de ano com final “2” venceria também o Giro d’Italia semanas antes. E nada mais desta vez. Miguel Indurain, como ciclista, era um animal diferente de Merckx e Hinault. Seguindo a filosofia introduzida por Greg Lemond, ele corria pouco e seu foco era vencer o Tour de France. Miguel ainda fez mais um “double” Giro-Tour em 1993 e praticamente não venceu mais nada…além do seu amado Tour de France.

O gigante espanhol venceu 3 etapas daquele Tour, mas foram os 3 CRIs. Numa espécie de maldição, Indurain nunca voltaria a vencer uma etapa em linha desde que começou a vencer a Classificação Geral do Tour. Antes disso, em 1989 e 1990, vencera duas etapas de montanha. Naqueles dias, a estrela espanhola era o segoviano Pedro Delgado e Miguel apenas um gregário que tomava dezenas de minutos na Geral – até se transformar. Em 1991, ele mudara de patamar, se tornaria a estrela maior do pelotão e sofria marcação cerrada e ataques fulminantes de tipos como os italianos Claudio Chiappucci e Gianni Bugno, respectivamente 2º (a pouco mais de 4 min.) e 3º (a mais de 10 min.) deste Tour 1992.

Abaixo, cena forte do Tour 1992: no CRI em Luxemburgo, Indurain coloca mais de 3 min em Giani Bugno e acaba com o moral dos italianos escaladores antes da 1a etapa de montanha. Detalhe: o Navarro (quase basco) era Campeão Espanhol mas se recusou a usou a camisa “Tricolor”, limitando-se às barras da camisa (amarelo-vermelho).

Lembro-me como se fosse hoje do ataque de Claudio “Il Diavolo” Chiappucci na etapa Saint Gervais – Sestrieri, de “apenas” 254 km, subindo e descendo montanhas. Ele apavorou toda a caravana do Tour e a mídia, pois sua vantagem aumentava a cada quilometro e todos acreditavam que ele vestiria o Maillot Jaune. Mas Don Miguel, tal qual uma máquina, foi sistematicamente reduzindo a diferença na rampa final de Sestriere e salvou o seu segundo Tour de France.

Abaixo, a cena mais comum do Tour 92: Chiappucci faz o “forcing” na montanha, com seu arquirival italiano Bugno na roda, e Don Miguel limitando as perdas para depois descontar no contra-relógio

Chiappucci era uma espécie de Pantani naqueles dias. Atava com menos tática e mais coração. Rolava pessimamente e por causa disso nunca venceu um Grand Tour – tanto no Tour de France quanto no Giro d’Italia obteve dois segundos e um terceiro lugares, totalizando 6 honrosos pódiuns! Também venceu uma Milano-San Remo, em 1991, atacando a mais de 50 km da meta.

Uma curiosidade final: fato raro, a equipe italiana Carrera Jeans-Vagabond colocaria 3 ciclistas entre o Top 10! Chiappucci em 2o, Giancarlo Perini (gregário!) em 8o e o veterano campeão Stephen Roche em 9o. Roche teve um ano de 1987 lendário, tendo vencido Giro, Tour e Mundial (igualando o feito de…Merckx, em 1974). A vitória de etapa do irlandês foi pura emoção e lágrimas, pois este foi o seu Tour de despedida. Até hoje eu desconfio que o pelotão “tirou o pé” para que este simpático campeão se despedisse em grande estilo.

2002: Lance Armstrong

Neste ano, pela primeira vez a organização do Tour de France reduziu as distâncias das etapas sob a justificativa oficial de “lutar contra o doping no ciclismo”. A quilometragem somou apenas 3.277 km, distribuídos em 21 etapas, para uma média horária forte: 39,98 km/h.

A história mostraria que o doping estava pra lá de presente neste Tour e nos próximos também. Mais da metada do Top 10 viria a ser envolvida em escândalos neste ano ou nos seguintes…

A superioridade de Lance Edward Armstrong (nascido Gunderson…sobrenome do pai que o abandonou) e de sua equipe US Postal Service era patética. O “trem” azul Made in USA (com alguns “importados”) tomava a ponta do pelotão no início da última montanha e dizimava a concorrência: começava com Hincapie e Ekimov, avançava com Peña e Loyds (aquele!), e depois a “fúria espanhola” ia para a ponta, com Rubiera e Heras, para estraçalhar os últimos teimosos. No final, Roberto Heras (vencedor de 3 Vueltas, menos uma por desclassificação por doping…) acompanhava o texano até o final.

Abaixo, cena comum #1: a Máquina de Destruição em Massa de Lance Armstrong

Abaixo, cena comum #2: Roberto Heras arrastando Armstrong montanha acima

Abaixo, cena comum #3: Beloki (ONCE) na roda Armstrong.

Aliás, o grande destaque entre as nações foi a Espanha, que vivia a geração pós-Indurain: foram 5 (cinco!) deles entre os Top 10: Joseba Beloki (ONCE, 2º), Igor Gonzalez de Galdeano (ONCE, 5º), Francisco Mancebo (Iles Baleares, 7º), Roberto Heras (USPS, 9º) e Carlos Sastre (CSC, 10º).

Para surpresa geral, outro ibérico, consideravelmente desconhecido, andou e forte e garimpou um 5º lugar: José Azevedo, que mais tarde seria contratado pela…US Postal Service! Outra surpresa foi ver um colombiano voltar a brilhar no Tour, após Lucho Herrera nos anos 80 e Fabio Parra em 1990: o simpático Santiago Botero, que corria pela lendária equipe Kelme, venceu 2 etapas (1 CRI e 1 de montanha), para ficar num fantástico 4º lugar na Geral.

Enfim, apesar da vitória acachapante de um ciclista americano e de uma equipe americana, foi um Tour ibero-latino americano: somando espanhóis, português e colombiano, foram 7 entre os 10.

Curiosidade mórbida: alguém se lembra do obscuro lituano Raimondas Rumsas? Ele foi a zebra deste Tour, ao correr pela italiana Lampre e subir no pódium em 3º. Só que sua “santa esposinha” Edita Rumsiene fora presa na França – enquanto o marido era premiado –, carregando uma tonelada de produtos dopantes. Ele não perdeu seu pódium, mas curiosamente perdeu as pernas e nunca mais correu nada que prestasse.

Eu e o Tour de France 2002 – eu fazia 40 anos de idade e o meu filho Fábio 15, então nós nos demos uma viagem de presente: fomos assistir o GP da França de F-1 em Magny Cours e algumas etapas do Tour. Nesta corrida vimos a lenda Michael Schumacher conquistar seu 5º título mundial, igualando-se ao argentino Juan Manuel Fangio, outra lenda deste esporte. O alemão ainda ganharia mais dois títulos.

Um momento inesquecível foi assistir a primeira etapa de montanha do Tour, em La Mongie (metade da subida para o Tourmalet). Quando Roberto Heras foi para a ponta, seu rítmo foi tão forte que apenas seu líder, Armstrong, e o arqui-rival Beloki aguentaram sua roda. Em dado momento, o próprio Lance teve que pedir para Heras reduzir o passo. Inacreditável! O texano venceu a etapa, arrancando a 300 metros da chegada e abrindo uns poucos segundo de Beloki e de Heras.

Nas estradas francesas nos divertimos colhendo autógrafos e tirando fotos com campeões. Deu para perceber que a turma da USPS era um nojo…falei com o Johan Bruyneel e quase vomitei.  Mas foram ótimos momentos com Santiago Botero e David Millar, da Escócia (que viria a ser suspenso por uso de EPO anos depois…mas se limpou e corre até hoje, fazendo campanha aberta contra o doping).

Mas o campeão da simpatia fora…um brasileiro: Luciano Pagliarini! Com seu sorriso largo e fúria nos pedais, nos encontramos com ele em Pau e foi uma festa só. Luciano, com apenas 24 anos de idade, era quem pilotava o veloz e experiente checo Jan Svorada no sprint. Mas, diferente da maioria dos embaladores, ele não abandonava o sprint quando o seu líder arrancava. Pagliarini continuava socando os pedais até o final e, apesar do esforço brutal dos últimos quilômetros, sempre ficava entre os 10 do sprint final. Depois disso o encontrei no Mundial de Sttutgart, numa situação absurda: a seleção brasileira teve suas bicicletas roubadas na noite anterior, no hotel, e o nosso campeão teve que correr com uma máquina fora de medida e não teve como terminar a prova. Murilo Fisher chegou em 20º naquele dia.

Ver dois brasileiros disputando um Mundial na elite-da-elite do ciclismo era impensável para mim nos tempos em que eu acompanhava Merckx e Hinault pela revista Mirroir du Cyclisme. Naqueles anos, craques como Antonio Silvestre, Jair Braga, Gilson Alvaristo e tantos outros não tinham oportunidades para correr na Europa. Mauro Ribeiro foi a exceção que confirmava a regra.

Abaixo, o Brasil brilhando no ProTour com Luciano Pagliarini (Tour Langkawi) – simpatia e velocidade Made in Brasil

E quem venham outros Pagliarinis e Fishers, porque o Brasil precisa!

Abraços,

Fernando

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Fim do Dauphiné: Wiggins iguala recorde de Merckx !!

Caros amigos,

Ao vencer o Critérium du Dauphiné neste domingo – é bicampeão! – o inglês Bradley Wiggins atinge uma marca que durava desde 1971 e que pertencia a Eddy “Canibal” Merckx. Por que? Porque desde então nenhum ciclista vencia a Paris-Nice e este mini Tour de France no mesmo ano.

E Wiggins foi mais longe ao também vencer o duro e tradicional Tour de Romandie, na Suiça – e esta prova Merckx nunca venceu! É feito para poucos vencer as três mais tradicionais voltas de 1 semana num mesmo ano. O ex-Perseguidor, que apesar de britânico nasceu na Bélgica (Ghent), venceu os três CRIs das três voltas (mais um na Volta do Algarve), mais uma etapa de montanha em cada uma (menos no Dauphiné).

E Merckx, o que fez em 1971?

Bem, se concordamos que Wiggins está fazendo uma bela temporada, deem uma olhada no que o belga fez naquele ano:

Tour de France:Jersey yellow.svg Jersey green.svg 4 etapas

Arc en ciel.svg Campeonato Mundial

Milano-San Remo

Liège–Bastogne–Liège

Giro di Lombardia

Rund um den Henninger Turm (G.P.Frankfurt)

Omloop “Het Volk”

Paris–Nice

Critérium du Dauphiné Libéré

Grand Prix du Midi Libre

Tour of Belgium

Giro di Sardegna

Super Prestige Pernod International

Não dá para comparar, não é mesmo? Aliás, só Bernard Hinault chegava perto (nunca junto) de Merckx em matéria de múltiplas vitórias de prestígio numa mesma temporada. Se Wiggins vencer o Tour – e ele parte como favorito! – terá feito uma temporada impecável, mas ainda assim longe do Canibal.

Foto: Brad (Dauphiné 2012); Eddy (Mundial 1971)

Vale destacar que naquela época os ciclistas – de ponta ou gregarios – corriam de março a outubro, seja Grand Tour ou um simples criterium. O belo (e desaparecido) Tour du Midi Libre ou o (hoje pouco prestigiado) Tour de Belgique, competições vencidas por Merckx em 71, eram corridas por todas as feras do pelotão.

Aproveitando, Vive la Belgique!

A Volta da Bélgica / Tour de Belgique / Ronde van Belgie era corrida e disputada a tapa por todo aquele pelotão de gigantes belgas dos anos 70.

Imaginem Merckx, Maertens, De Vlaeminck (Roger e Eric), Godefroot, Leman, Dierickx, Sercu, Bracke, Pollentier, Van Impe, De Muynck, Van Linden, Bruyère, os irmãos Planckaert, Demeyer, Monsere, Verbeeck e tantos outros lutando pela hegemonia em sua Volta nacional? Naquele época só belga ganhava a Volta da Bélgica…mas quando essa turma se aposentou o Rei da Béligica, Balduino, quase cortou os pulsos pois só estrangeiro passou a ganhar.

Foto: 1977, um Merckx já decadente lidera uma fuga com De Vlaeminck (à esquerda) e Maertens (à direita). Só dava belga na Volta da Bélgica.

Naqueles anos de glória quem mais brilhou foi a poderosa Molteni, equipe de Merckx. Eddy a venceu duas vezes e o leal co-equipier Roger Swerts outras duas – com o real consentimento de Merckx, naturalmente, porque o Canibal queria ganhar todas (repito, todas!) e só abria espaço para seus gregarios quando não conseguia se livrar dos seus rivais marcadores – “Pas de cadeux dans le cyclisme”, diz ele até hoje (“Não tem presente no ciclismo”).

Eu e o Ronde van Belgie

Em 1989, eu juntei todos os trocados, coloquei uma mochila nas costas e fui pela primeira vez para a Europa…só para ver corridas. E de cara fui para a Bélgica acompanhar a volta do país. Apesar do meu inglês mabembe, fazia amigos em cada etapa, pois todos se impressionavam com o fato de um brasileiro ir à Bélgica para ver seu Tour/Ronde e que ainda conhessece bem a história do seu ciclismo – fui até convidado para ficar na tribuna de honra nas duas últimas etapas.

A prova andava tão sem prestígio que havia até mudado de nome (fora batizada de Turhout-Werchter) e misturava a volta ciclística com um famoso festival de rock belga. Muito circo e pouco pedal. A coisa andava tão negra na terra de Eddy Merckx que a volta não havia sido disputada em 1982, 83 e 87, e depois não aconteceria de novo entre 89 e 91. Uma vergonha nacional. Motivo: falta de patrocinadores, que não se interessavam pelo baixo nível do pelotão belga. Estavam bem mal acostumados…

Voltando para a volta que eu assisti, e para fechar com “chave de lata” a má fase do ciclismo belga, o inglês Sean Yates, correndo pela equipe americana 7-Eleven e flagrado no exame antidoping, a venceu (e levou apesar do doping!). Uma heresia sem igual!

Foto: Yates era um contra-relogista de bom nível.

Mas uma coisa interessante – e bacana – de uma prova como essa é que nossos ídolos ficam absolutamente acessíveis. Os ônibus das equipes param em alguma rua perto da largada, eles descem e saem pedalando. Foi numa dessas que eu cruzei com Fignon e seu colega Thiery Marie (grande contra-relogista), mas só deu tempo de tirar a foto… Já no Tour, no Giro e nas grandes Clássicas é um festival de cordões de isolamento, seguranças etc. Um porre!

Pois foi assim, enquanto circulava pelas ruas da pequena Geel (local do prólogo), que eu cruzei com o ônibus da equipe ADR e, ao me aproximar timidamente, dei de cara com um pra lá de simpático Eddy Planckaert, um dos meus ídolos. Me apresentei a ele e dá-lhe festa: “Braziliaan, braziliaan!!”, gritava ele para seus colegas, anunciando que um maluco do Brasil estava lá. Preciso achar as fotos…

Foto: Que fase da pequena ADR! Ronde (acima) e Maillot Vert em 88 com Planckaert; Tour de France e Mundial em 89 com Lemond.

Dias depois, assisti em Ostende um daqueles sprints em que o nosso coração parece que vai sair da boca, tamanha a disputada feroz entre Planckaert e a fera holandesa Jean Paul van Poppel: de arrepiar. Deu Van Poppel.

Foto: Van Poppel, o míssil holandês, humilha a realeza do sprint dos anos 80 – Planckaert, Hermans, Kelly, Dewilde (Campeão Belga) e Vanderaerden (Maillot Vert)

Eddy (o Planckaert) venceu o Ronde, Roubaix, 2 Het Volk, 2 GP E3, foi Maillot Vert do Tour (mais 2 vitórias de etapas), 8 vitórias de etapas na Vuelta etc. Uma carreira tipicamente flamenga/vlaams/flandrian.

Uma grande surpresa para mim naquela volta foi testemunhar a antipatia que os belgas nutriam pelo seu filho pródigo Eric Vanderaerden. Correndo pela fortíssima Panasonic (sucessora da holandesa TI Raleigh), Eric caiu no prólogo, após derrapar numa curva, e… foi “calorosamente” vaiado. Eu não entendia como aquilo poderia acontecer!

Vanderaerden era um grande ciclista e largava como favorito em quase todas as provas de 1 dia. Já havia vencido o Tour de Flandres, a Paris-Roubaix, a Ghent-Wevelgen, dezenas de semi-clássicas e outras provas belgas, 5 etapas do Tour de France + o Maillot Vert 1986. Mas era arrogante e isso era um pecado mortal para os belgas. O hábito de correr para os holandeses de Peter Post também não ajudava.

Foto: Vanderaerden vence no Champs Elysee (Tour 84), aos 22 anos idade, vestido de Campeão Belga. Orgulho nacional … mas não por muito tempo.

Ok, ninguém gosta de gente nojenta em qualquer lugar do mundo, mas você consegue imaginar os brasileiros aplaudindo o Messi e vaiando o Neymar? Não, né! Pois é, após testemunhar isto acontecer na Bélgica, dias depois, assistindo o Mundial de Chamberry, na França, ouvi de vários franceses que torciam para Lemond contra Fignon no Tour de France…bizarre, como diria um francês!

Foto: “Lemond, vive, Lemond!! Allez Lemond”… os chauvinistas franceses gostavam do simpático americano que respeitava Hinault e era fluente no idioma francês.

Ciclismo é cultura

Nesta viagem eu me confrontei pela primeira vez com a questão linguística da Bélgica. É estranho demais estar numa estação de trem a caminho de Antwerpen (para nós Antuérpia) e de repente, em outra, ver avisos para Anvers. É a mesma cidade! A primeira em flamengo e a segunda para os wallons.

Ou que tal conhecer melhor o nome do Rei Balduino (que eu citei lá em cima)? O homem tinha que ter dois nomes! Sim, para agradar os dois “times” de súditos: flamengos e valões. Para os primeiros era  Boudewijn Albert Karel Leopold Axel Marie Gustaaf van België e para os que falam francês era Baudouin Albert Charles Léopold Axel Marie Gustave de Belgique !! Único !!

E esta confusão toda é porque a Bélgica foi um país “criado” por tratados internacionais, em que, para evitar mais guerras, pegaram um pedaço de terra da Holanda (onde estão os flamengos), juntaram com outro da França (onde estão os valões) e criaram uma área (nacional) neutra. E para não ter briga entre as duas partes deste país artificialmente criado, os próprios belgas optaram por ter um Rei … neutro … de origem ALEMÃ!! Dá para imaginar termos um Rei ARGENTINO por aqui? Lá essas coisas funcionam…

Foto: Torcedor Número 1 de Eddy Merckx (sério!), o Rei que tinha o nome em duas línguas…

E para quem gosta de cerveja e chocolate, a Bélgica é o paraíso. Curiosamente, a última etapa daquela volta foi em Leuven, cidade sede da Stella Artois – hoje parte do império AB Interbrew, que é comandado pelos brasileiros da AMBEV (antiga Brahma).

Foto: chocolate/praline belga da marca Leonidas…é para comer de joelhos, orando!

Boas memórias, grandes emoções. E do que falávamos mesmo…ah, sim, de Wiggins e Merckx…

Abraços, Fernando

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Tour de Suisse, a última chance de “afinar” as pernas para o Tour de France

Caros,

Neste sábado acontecerá a largada do Tour de Suisse, que é a segunda grande prova preparatória para o Tour de France. Como já escrevi antes, TODOS os candidatos à vitória na Grand Boucle correm aqui ou no Dauphiné – e isso desde os tempos em que bicicletas eram como esta aqui embaixo!

Serão 9 etapas, totalizando…e eu não sei quantos quilometros os ciclistas correrão e cansei de procurar. Deve ser ao redor de 1.200, como sempre, mas fiquei chocado com a dificuldade de encontrar informação tão básica e desisti.

Pior que isso, os analistas estão esculhambando o percurso, pois os organizadores conseguiram “errar” o mapa do próprio país e deixar os Alpes de fora. Aliás, cá entre nós, acho que na luta do ciclismo contra o doping a UCI e os organizadores de corridas resolveram facilitar nas subidas, na esperança que o pelotão reduza o consumo de “aditivos”.

O Giro 2012 foi chamado de “mais humano” pelo próprio diretor da prova. O Dauphiné, que está sendo disputado esta semana, tem apenas uma etapa dígna da tradição da prova. E este Tour de Suisse apararentemente não tem nenhuma.

Abaixo o mapa da prova. Atentem para as setas em azul, que foram colocados por um blogueiro gozador, indicando onde ficam os Alpes. Isto foi para dizer/gozar que o pelotão passará longe deles!

Bom, se considerarmos que o Tour de France deste ano também foi feito para contra-relogistas, talvez todos os organizadores resolveram se alinhar e detonar os escaladores. Talvez o Cavendish devesse vir correr aqui…

Um pelotão apenas regular

Conforme disse no último post, a maioria do candidatos à vitória ou Top 10 do Tour de France optaram correr o Dauphiné. Na Suiça correrão o Levi Leipheimer (Omega Pharma Quick Step, está mais para Top 20), o Tom Danielson  (Garmin – mas se o Hejesdal correr, o americano será gregario), Igor Anton (Eukaltel…será que o seu nível de 2010 se repetirá?), Alejandro Valverde (Movistar – esse vem com tudo, está com sede de vitória e de vingança…mas até agora não mostrou a forma pré-suspensão), Nicolas Roche (AG2R – o filho do lendário Stephen Roche é um talento emergente – já tem 27 anos e não explodiu, mas é candidato ao Top 10 aqui e na França), Robert Gessink (Rabobank – a eterna esperança holandesa finalmente venceu algo de prestígio: o Tour of California. O batavo deve estar com o moral em alta e lutará pelo pódium aqui e no Tour de France).

E por falar em Holanda, eu estarei observando o jovem Bauke Mollema. Ele será, em tese, gregario, de Gessink mas é um talento pronto para fazer seus próprios voos. O 4o lugar na Vuelta e o 50 no Tour de Suisse ano passado, mais o 6o em Liège e o 3o na Vuelta al Pais Vasco este ano mostram que ele tem potencial para Top 10 do Tour de France.

Nos sprints teremos Oscar Freire (sua meta é o Ouro em Londres…todo o resto será mero treinamento), Tom Boonen (o melhor ciclista de 2012 até agora também quer o Ouro Olímpico), Alessando Pettachi (Lampre…ainda existe o campeão de La Spezia??? Ok, ele venceu 3 etapas no recene Bayern Rundfahrt), José Joaquim Rojas (Movistar – este veloz Murciano de 26 anos tem futuro…e é irmão do finado Mariano Rojas, que morreu atropelado em 1996, aos 22 anos de idade, quando corria para a ONCE e era a grande esperança nacional para substituir um recén-aposentado Miguel Indurain – triste).

Grandes vencedores do Tour de Suisse

Diferentemente do Dauphiné, o Tour de Suisse tem como tradição atrair equipes e campeões do Giro d’Italia. O maior vencedor da história da prova é o escalador italiano Pasquale Fornara, com 4 vitórias conquistadas entre 1952-58.

Curiosamente, este piemontês de Novara teve pouco destaque na sua terra natal: fez um terceiro no Giro 1953 (mais G.P. da Montanha), vencido por Coppi, e nada mais. Também fez um 2o na Vuelta a España.

Mas foi no país dos Cantões que don Pasquale fez seu nome: além das 4 vitórias no Tour, ele também venceu um Tour de Romandie (1956). Devia ter pedido (e recebido) cidadania suiça após tanto amor e sucesso nas estradas deste país.

Foto: Fornara era tão popular na Suiça que corria pela equipe Cilo (banco de médio porte).

As vitórias deste obscuro italiano tem valor especial, porque ele correu na Época de Ouro do ciclismo suiço. Nos anos 50 a pequena Suiça revelou para o mundo a “dupla KK”, Ferdinand Kubler e Hugo Koblet, que venceu muitas corridas do mais alto prestígio. Mas ambos venceram o seu Tour nacional “apenas” 3 vezes cada um.

Foto: (da esq. para dir.) Kuber, “Papagaio de Pirata” e Koblet
 

Já vencer na Suiça está longe de significa vitória no Tour – o Dauphiné já tem esta característica mais marcante. Olhando a lista de vencedores recentes, saltam aos olhos apenas Lance Armstrong, Jan Ullrich…e Eddy Merckx (em 1974, quando também venceu o Giro, o Tour e o Mundial… indecente!).

No entanto, o número de vencedores ou protagonistas do Tour de Suisse e do Giro abunda: os italianos craques dos anos 60 Bitossi, Motta e Adorni; os ‘setentistas’ Giuseppe Saronni e Mario Beccia (este baixinho careca escalava muito e venceu uma Flèche Wallone em 1981); os mais recentes Stefano Garzzelli e Francesco Casagrande; o americano Andy Hampsteen (duas vezes campeão aqui e que venceu o épico Giro de 1988) e o russo Pavel Tonkov (Maglia Rosa em 96).

Foto: um chocolate suiço de 1a linha para quem souber quem é este heroi! Sim, é o bicampeão do Tour de Suisse, o americano Andy Hampsteen, no Passo Gavia do Giro 1988.

Os melhores suiços – além dos acima citados – também marcaram presença no seu Tour nacional: Urs Zimmerman (3o do Tour 1985, quando foi lutou bravamente contra a dupla da Vie Claire Hinault e Lemond), Beat Breu (escalador alado que andou forte no Tour de France 1982 – ficou em 6o, ganhou duas etapas, incluindo a mítica L’Alpe d’Huez), Pascal Richard (Campeão Olímpico em Atlanta, Giro di Lombardia e muito mais), Oskar Camenzid (Campeão do Mundo e Giro di Lombardia em 1998…e muito doping no final de carreira).

Foto: O campeão suiço Urs Zimmerman persegue Bernard Hinault, no Tour 85, com Lemond na sua roda – cena comum naquele ano.
 

E esse aqui, conhece?

Foto: o peso-pluma Beat Breu (equipe Cilo – bicicletas Aufina) vence em L’Alpe d’Huez – potencial vencedor do Tour, não chegou nem perto.

E ao pesquisar sobre a prova, notei que tem um número grande demais de ciclistas de segunda linha que já venceram esta prova tão tradicional. Nomes que eu nem lembrava que existiam. Alguém conhece Helmut Wechselberger ou o Christophe Agnolutto? Ciclistas obscuros demais.

Acho também que vale destacar que, às vezes, ciclistas não montanheiros vencem por aqui. Ah, esses suiços que ficam “economizando” chegadas no topo do Alpes…três bons exemplos:

  • Phil Anderson – o homem que desafiou Hinault no Tour 81 – também venceu por aqui, mesmo não tendo perfil para tal. Esta fera foi o grande inspirador para a geração de Cadel Evans e tantos outros Aussies (é assim que os australianos se chamam) que vem vencendo há tempos.
  • Le Gitan de Eeklo Roger de Vlaeminck venceu aqui 1975, quando era corredor de Clássicas por excelência e nunca esteve perto de pódium de Grand Tour.
  • Sean Kelly, outro gigante da Clássicas belgas, também venceu nos Alpes “light” suiços e duas vezes!
Foto: Anderson (dir.) e Kelly (esq.) duelando na Liège-Bastogne-Liège, nos anos 80. Deu Kelly, como de hábito. Estes não escaladores venceram o Tour de Suisse contra todas as previsões.

A Suiça – esse é um país LINDO, ORGANIZADO, RICO e que se especializou em coisas maravilhosas (para o meu gosto): chocolate, queijo e relógios. Ah, sim, são bons também na gestão de fortunas (muitas vezes de origem duvidosa…) e é sede de alguns dos bancos mais famosos do mundo.

Foto: ATENÇÃO! O Dia dos Namorados está chegando e se você quer agradar a sua cara-metade de a ela este Lindor. Sua receita foi feita pelos deuses dos prazeres grastonômicos…passo mal só de olhar a foto, de tão gostoso que é!

E os queijos então…

Foto: Emmenthal, Gruyère, Raclette…estou salivando…
 

E para quem gosta e pode pagar muito caro…

Foto: quer agradar a sua Princesa? Saque uns R$ 50 mil da sua conta corrente e compre um Patek Phillipe deste, mas ela ficará feliz também com um bom Rolex…é tiro certo! Para nós, meninos, tem Omega, Tag Heuer, Breitling e…a lista é longa!

Enfim, não espero muito desta prova, mas os favoritos a Top 10 do Tour de France medirão forças e irão lutar pela vitória final. Espero…

Au revoir,

Fernando

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Começa o “mini-Tour de France” – Vive le Critérium du Dauphiné !!

Bonjour mes amis du cyclisme!

Finalmente entramos naquela fase do ano em que o frisson se veste de amarelo (ou melhor de jaune), pois Le Tour de France já aparece no horizonte – a foto acima mostra os Alpes franceses vistos a partir de Grenoble (capital do Dauphiné).

Acontece que por conta dos Jogos Olímpicos de Londres o calendário pós Primavera foi todo antecipado e o Tour largará já no dia 30 de junho.

E como acontece há muitas décadas, três provas por etapas montanhosas antecedem o Tour e servirão de (a) aperitivo para nós, (b) medição de forças entre os rivais, (c) afinamento de forma para os favoritos. A primeira delas é o:

Critérium du Dauphiné – a antiga Critérium du Dauphiné Libéré começa neste domingo (dia 3/6) e traz um pelotão de primeiríssima linha – uma verdadeira avant-première do Tour. Principais características desta prova alpina:

  • Etapas: 1 prólogo + 7 etapas, cobrindo
  • Distância: 1.052 km
  • Contra-relógio: além de um prólogo clássico (5,7 km por avenidões, com poucas curvas) na linda Grenoble, as feras percorrerão 53 km num terreno plano na 4a etapa. Mas ao ver altimetria fico com impressão que é como interminável sobe-e-desce em pequenas subidinhas nervosas. Será uma etapa para um puncheur e os escaladores puros tomarão muito tempo.
  • Montanhas: após algumas etapas para sprint e outras com montanhas no meio da etapa – aquelas que favorecem fugas matinais -, as duas últimas (sábado e domingo da semana que vem) serão duras e com o perfil do Tour. No sábado o pelotão chegará no alto da mítica Morzine, passando por Joux-Plane e Colombiére. Já a etapa de domingo termina em Châtel e apresentará uma série de pequenas montanhas, seguida de uma interminável  subida leve, para terminar ao estilo Flèche Wallone (Huy) ou Amstel (Cauberg).
  • Os participantes: eu não me lembro de um Dauphiné com tantos favoritos ao Tour (Maillot Jaune e Top 10). Dá a impressão que nenhum favorito irá correr o Tour de Suisse – no passado, Lance e Ullrich nunca corriam a mesma prova, para não mostrarem a verdadeira fora frente-a-frente antes da hora! Vamos analisar equipe-por-equipe:

(1) Sky – Bradley Wiggins: a esperança britânica para a tão sonhada vitória na Classificação Geral do Tour vem tendo um ano dígno de toda esta esperança (e de todas as Libras Esterlinas que a Sky vem despejando nele e na equipe). A ex-fera dos velódromos já venceu este ano as duras e prestigiosas Paris-Nice e Tour de Romandie (na Suiça), tendo faturado os dois contra-relógios. Vencedor do Dauphiné ano passado, para mim parte como favorito de novo.

Foto: Wiggins gosta do “maillot jaune” com barrinha azul do Dauphiné, mas ele mira mesmo naquele outro, só “jaune”

(2) BMC – Cadel Evans: o último vencedor do Tour de France havia sido 2o no Dauphiné em 2011. Este ano venceu o tradicional e competitivo Critérium Internacional (na França). Outro favorito.

(3) Lotto – Jurgen van den Broeck: a nova (i.e. ressucitada) equipe “governamental” belga vem com sua força máxima para as montanhas. Van den Broeck, que foi 4o do Dauphiné e do Tour em 2010, este ano andou apagado e só fez um 3o na Volta a Catalunya. Seu gregário Jelle Vanendert, que surpreendeu no Tour 2011 após a queda de Van den Broek (1 vitória de etapa, um segundo lugar, usou o Maillot a Pois Rouge e terminou em 20o lugar), este ano mostrou boa forma nas Clássicas onduladas (2o no Amstel, 4o na Flèche e 10o em Liège). Se os rivais amolecerem pode dar Bélgica no Dauphiné, fato que não acontece desde … 1978, com Michel Pollentier (da poderosa Flandria).

Foto: Pollentier, baixo-magro-feio-desengonçado, mas poderoso na montanha e no CRI (e no doping também…)

(4) AG2R – Jean-Christophe Peraud: o veterano francês (35 anos), que fez um surpreendente 9o lugar do Tour 2011, vem bem acompanhado por Christophe Riblon (ano passado venceu 1 etapa do Tour e foi 7o do Dauphiné). Estes franceses não tem chance no Tour, mas o Dauphiné poderá estar ao seu alcance.

(5) Radio Schak – Andy Schleck: o eterno segundo (salvo se o vencedor comer “carne batizada”) usará o Dauphiné para lapidar sua forma, de modo a vencer o seu “segundo” Tour na estrada. Este ano esteve preocupantemente apagado.

(6) Liquigas – Vincenzo Nibali: o siciliano vem para vencer, mas a equipe que o acompanha é fraca –  a forte ficou perdendo tempo no Giro, ajudando inutilmente Basso. Para quem já fez pódium no Giro e venceu uma Vuelta disputadíssima, Nibali – em forma – é favorito. Nesta Primavera andou forte: venceu a Tirreno-Adriático, fez um grande 2o em Liège (após pregar supreendemente quando liderava com folga, já nos últimos quilometros) e um belo 3o em San Remo.

(7) Euskaltel – Samuel Sánchez: os simpáticos bascos vem, como sempre, com tudo para o Dauphiné. Já o venceram em 2004 e 2005 (com Iban Mayo e Iñigo Landaluze, respectivamente) e Sanchez vem em grande forma: venceu a duríssima Vuelta al Pais Basco, além de um 2o na Volta a Catalunya e dois 7o lugares, no Amstel e em Liége.

Além destas feras, outros nomes de grande reputação liderarão suas equipes, ainda que, na minha opinião, não tenham lá muita chance. Exemplos: o “inaposentável” Vinokourov (Astana), outro que já passou dos seus melhores dias é Menchov (Katusha), o incansável atacante Voeckler (Europcar), o fortíssimo ex-gregario (de Contador) Daniel Navarro (Saxo Bank), Jerome Coppel (Saur-Sojasun) e Luis León Sanchez (Rabobank).

Enfim, salvo alguma honrosa exceção (como na Rabobank, onde o líder do Tour deverá ser Robert Gessink, que acabou de vencer o Tour of California, e não largará nesta prova), a elite do Tour estará correndo esta semana pelas estradas do Dauphiné.

História da Corrida

O Critérium du Dauphiné Libéré (nome oficial até 2010) é disputado desde 1947 e era organizado por jornal de mesmo nome. Com seus tentáculos cada vez longos e fortes, o “polvo” ASO encampou mais esta prova e manteve apenas o nome da região: Dauphiné.

Aqui a regra é clara: só ganha ciclista forte e famoso. Não é terreno para novatos, desconhecidos ou oportunistas. Olhando a lista de vencedores dos últimos 50 anos, eu encontrei uma poucas exceções que confirmam a regra, i.e. ciclistas que tiveram nesta conquista seu grande momento de glória.

Foto: Don Miguel, que classe! Saudades…

As surpresas aconteceram em:

  • 1974 – Alain Sainty: foi seu único bom ano, com alguns pódiuns de valor e um 9o no Tour
  • 1984 – Martin Ramirez: este colombiano surgiu do nada e estampou sua superioridade em cima de um Bernard Hinault que vinha de cirurgia. Ramirez venceria o Tour de L’Avenir em 1985 e eu jurava que ganharia muito…e não ganhou mais nada.
  • 1998 – Armand de las Cuevas: ex-gregário de don Miguel Indurain, este francês de nome espanhol rolava forte e fez vários Top 10 em provas importantes, mas eu quase caí da cadeira quando soube desta vitória. Zebra? O homem rolava forte, deixaram escapar numa subida e ele levou.
  • 2005 – Iñigo Landaluze: este picareta venceu o Dauphiné para em seguida ficar em 100o no Tour (sim, centésimo!)…e ser descoberto com mais testosterona no sangue do que o pelotão inteiro. Caiu em desgraça. Não venceu nada que prestasse antes ou depois. O farmacêutico foi seu melhor co-equipier.
  • 2010 – Janez Braijkovic: este talentoso esloveno é um constante Top 1o de provas duras, mas nunca havia se provado um vencedor….e continua não sendo. Num pelotão envelhecido, quem sabe a hora dele não chega agora.
Foto: A vitória de etapa ficou para o escalador Jimenez, mas o baixinho de trás – De las Cuevas – levou a Geral

Grandes Vencedores do Dauphiné

Com exceção dos duplo-Maillot Jaune Laurent Fignon e Alberto Contador, todos os grandes vainqueurs du Tour de France venceram o Critérium du Dauphiné Libéré:

  • Louison Bobet (FRA) venceu em 1955 / 3 Tour de France (*)
  • Jacques Anquetil (FRA) venceu em 1963 e 65 / 5 Tour de France (*)
  • Eddy Merckx (BEL) venceu em 1971 / 5 Tour de France (*)
  • Bernard Thevenet (FRA) venceu em 1975 e 76 / 2 Tour de France (*)
  • Bernard Hinault (FRA) venceu em 1977, 79 e 81 / 5 Tour de France (*)
  • Greg Lemond (EUA) venceu em 1983 / 3 Tour de France
  • Miguel Indurain (ESP) venceu em 1995 e 96 / 5 Tour de France (*)
  • Lance Armstrong (EUA) venceu em 2002 e 03 / 7 Tour de France (*)

(*) Ciclistas que venceram o Dauphiné e o Tour no mesmo ano – isto aconteceu 10 vezes.

Foto: Menino poderoso – venceu os Grandes no Dauphiné e em agosto venceria o seu primeiro Mundial.

Estranhou que Merckx só venceu o Dauphiné uma vez? Não se esqueça que o Canibal tinha por hábito correr – e vencer – o Giro d’Italia no mesmo ano, além de meia-dúzia de Clássicas e voltas de uma semana.

Os Tricampeões do Dauphiné – ninguém ganhou 4x esta prova, mas 4 ciclistas a venceram 3x. O grande Hinault o fez magistralmente. Quando não a venceu foi porque preferiu correr o Giro (correu 3x…e o venceu 3x). A fera espanhola Luis Ocaña – grande rival de Merckx – foi outro que o conquistou o Tri. Este grande ciclista era um homem perturbardo (suicidou-se), mas venceu o Tour 1973 (sem Merckx). É sabido, porém, que o teria vencido antes, em 71, não fosse um tombo que quase o matou, na descida do Col de Portet d’Aspet durante um dilúvio histórico – Merckx venceu e declarou: “Não a mereço; será uma vitória manchada para sempre”.

Foto: lamentavelmente, a imagem mais conhecida de Ocaña. Sua queda chocou o mundo, pois seria o primeiro a bater o imbatível Merckx num Grand Tour.

Os outros dois tricampeões foram Nello Lauredi (especialista em Dauphiné!), nos anos 50, e Charly Mottet, nos anos 80. Este eu acompanhei bem e era tido como um sucessor de Fignon, mas nunca foi além de um 4o lugar no Tour (e 6 vitória etapas em diversos Tours) e algumas belas vitórias em Clássicas (3x GP des Nations, Lombardia, Zurich) – Mottet foi colega de equipe do nosso Mauro Ribeiro na RMO.

Foto: Mottet rolava forte e escalava bem…mas não tão bem para um pódium do Tour. Brilhou no Dauphiné e fez um pódium no Giro e um no Mundial de 1986

Le Dauphiné – a região

Terra de grande orgulho, o Dauphiné era uma nação independente até 1349, quando a França o absorveu – sem guerra. O motivo foi que o pequeno reino se afundara em dívidas, graças ao estilo gastador do seu governante, o Dauphin. O Reino da França então aproveitou a chance e, após assumir as dívidas do Dauphiné e do seu perdulário Dauphin, tomou conta das riquezas e belezas da região. 

Foto: a região do Dauphiné, encrustrada nos Alpes, faz fronteira com a Suiça francesa

O prestigio da região, no entanto, permaneceu e um tratado determinou que os filhos dos reis franceses passariam a ser chamados de Dauphin de France – a região também conseguiu manter uma certa autonomia de Paris, mas isso não durou muito.

Se você tem uma grana e quer conhecer lugares menos óbvios da França, aqui está um bom lugar para pesquisar. Tem montanha para esquiar e escalar, bosques e trilhas, pistas e estradas abundantes para pedalar, temperatura amena (menos no inverno), boa comida e bom vinho etc., etc., etc. A lista é longa.

Foto: gosta de batatas? A batata dauphinoise tem por aqui e é um absurdo de bom…e de calórica!

E a região é boa para negócios e para estudar. Pesquise e encontrará de tudo por aqui.

Terra de grande ciclismo, a região é visitada quase que anualmente pela caravana do Tour de France, pois suas cidades são ricas e belas. Nomes como Grenoble, Valence, Vienne, Brianson, Gap, entre outros, são ville-etape com frequência. E dois Campeonatos Mundiais já aconteceram em suas terras:

  • 1972 – Gap: com dobradinha italiana. O sprinter Marino Basso ultrapassou nos últimos metros o campatriota Franco Bitossi (favorito e líder da equipe), em mais um momento de grande controvérsia do ciclismo azurro.

Foto: “Traição à Italiana”? Marino Basso sentiu que seu líder, Bitossi, seria ultrapassado pelo francês Cyrille Guimard e foi à luta. Bitosse nunca o pedoou, pois Guimard acabou em terceiro mesmo.
 
  • 1989 – Chambery: eu estava lá e foi uma luta sem fim no duro circuito alpino, desenhado para o francês Laurent Fignon vencer – do mesmo jeito que fizeram Sallanches para Bernard Hinault vencer em 80. Se Le Blaireau Hinault honrou o “seu percurso” e venceu, em 89 quem levou o Arc-en-ciel para casa foi o arqui-rival de Fignon, Greg Lemond. Mas o destaque mesmo foi a decepção de Sean Kelly, que fez o mais difícil, que era escalar tantas rampas, para perder num sprint que era o único favorito.
Foto: já pensou subir e descer, debaixo de chuva, por mais de 7 horas? Épico!

É isso. Agora é conectar no Steephill e garimpar boas imagens ao longo da semana.

Boa prova + abraços! F.

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Primavera 2012 x Primavera 2011 – Alguma diferença?

Caros,

Hoje eu não falarei do Giro d’Italia, que ainda está numa fase “pedalabile” (como dizem os italianos quando o pelotão não enfrenta terrenos mais duros), sem qualquer componente épico nas etapas até agora. Aliás, vem sendo um festival de sprints, de ataques de ciclistas gregários e, bem, finalmente hoje tivemos um favorito mostrando ao que veio.

O catalão Joaquim ‘Purito’ Rodríguez venceu em Asisi, no sprint, no alto da pequena montanha do centro histórico da cidade. Na verdade, a etapa mais pareceu uma versão italiana da Flèche Wallone, com um paredão no final igualzinho ao Mur d’Huy. No entanto, apesar de vestir a Maglia Rosa não colocou tempo relevante em seus principais rivais.

Primavera / Printemps / Spring / Voorjaar

Esta estação do ano é sinônimo de Clássicas. Com excessão da italiana Milano – San Remo todas acontecem no norte da Europa. Metade delas acontece em terreno ondulado (Liège, Flèche, Amstel) e outra metade nos pavés (Roubaix, Flandres, Wevelgen).

Vamos relembrar 2011:

  • “Zebras”: tivemos as vitórias de Matt Goss em San Remo, Johan Vansummeren em Roubaix e Nick Nuyens no Ronde. Nenhum deles era sequer cotado para o pódium, apesar de todos serem bons ciclistas (para o Top 10).
  • “Super Homem do Ano”: o belga Phillipe Gilbert estava em estado de graça e igualou o recorde de Davide Rebellin, vencendo as três Clássicas da região Ardennes/Limburg: Liège, Flèche e Amstel. Estas três provas tem como característica similar as subidas fortes no final do percurso e Gilbert é o melhor do mundo neste terreno.
  • “Equipe sensação vexaminosa do ano”: lembram da Leopard, de Cancellara + irmaos Schleck? Vexame do ano (inteiro e não só na Primavera). O suiço era o ciclista mais forte do pelotão e foi marcado “homem-a-homem” pelos principais rivais e meteu “as sapatilhas pelas luvas” algumas vezes, por confiar demais na sua força. Nas Ardennes, os irmãos luxemburgueses só andaram bem em Liège, mas apenas adornaram o pódium para Gilbert, fazendo o 2o e o 3o lugares.
Phillipe Gibert, versão ‘canibal’ 2011 – o ano em que a Bélgica vibrou como nos tempos de Eddy Merckx
 
Los 3 Amigos…versão 2011 para os Três Patetas – prejuízo de resultados para os ciclistas e financeiro para o investidor.
 

E em 2012, alguma diferença?

  • “Zebras”: em Milano tivemos um quase repeteco de 2011, com outro australiano inesperado, Simon Gerrans, vencendo-a (às custas de Cancellara, o mais forte de novo). Depois, tivemos Purito Rodríguez na Flèche, Maxim Iglinsky em Liège e Enrico Gasparotto no Amstel. Menção honrosa para Purito, mas os demais foram zebraças!
  • “Super Homem do Ano”: se Gilbert foi a estrela solitária em 2011 num único tipo de terreno, Tom “Tommeke” Boonen fez o mesmo, só que nos lendários pavés. E com um recorde único: ninguém havia vencido Roubaix, Ronde e Wevelgen no mesmo ano. Mais que isso, ele igualou o recorde de 4 vitórias de Roger de Vlaeminck na Paris-Roubaix – que durava desde o distante 1977. Quer mais? Boonen ultrapassou Johan Musseuw como maior vencedor de “Clássicas Pavés”: agora ele soma 4 Roubaix, 3 Ronde e 3 Wevelgen. Monstruoso!
  • “Equipe sensação vexaminosa do ano”: a decepcionante Leopard de 2011 foi fundida/absorvida pela não mais brilhante Radio Schack…e continuou tão ruim quanto antes – a diferença é que deixara de ser ‘a’ sensação. Mas a temporada 2012 iniciou (e continuará até o Tour de France) com todos os olhares voltados para a suiça BMC. Eles já tinham o forte ‘pavésista’ Alessandro Ballan (ex-Campeão Mundial e ex-vencedor do Ronde) e Cadel Evans (ex-Campeão Mundial e ex-vencedor de uma Flèche), mas ainda foram buscar ‘apenas’ gigantes como Phillipe Gilbert e o ex-Campeão Mundial e ex-Maillot Vert do Tour de France (2 vezes) Thor Hushvod. O termo ESQUADRÃO não é exagero…mas eles não ganharam NADA até agora!!
Boonen, 3o Ronde van Vlaanderen/Tour de Flandres, empatando o recorde de Musseuw, Buysse, Leman e Fiorenzo Magni (o único não belga da lista) – mais um ano sensacional para a Bélgica
 
Os 3 Patetas versão 2012 – o magnata suiço Andy Rhis ficou com inveja do luxemburgues igualmente rico Flavio Becca, e rasgou ainda mais dinheiro com a sua BMC
 

Então, este post, mais do que informar quem ganhou e quem perdeu, visa destacar a tremenda semelhança entre as duas temporadas. Duas grandes estrelas brilharam (Gilbert e Boonen, os dois belgas) e as duas equipes mais poderosas de cada ano fracassaram com louvor.

E no Giro – aqui também não será muito diferente. Ano passado tínhamos Contador “e o resto”. Com a desclassificação do espanhol o pódium ficou com o resto. Este ano não tem Contador, Schleckinho, Cadel, i.e. só tem os italianos e a safra de pior qualidade que eu tenho na memória. Em outras palavras, será um pódium pobre.

Amanhã tem mais!

Abs, F.

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Lago Laceno: Giro 2012 x Giro 1998

Buongiorno!

Neste domingo os heróis do pedal enfrentarão 229 km (quilometragem típica de Grand Tour dos anos 70…hoje em dia diminuiu muito) de sobe-e-desce, numa etapa de grande desgaste. O final se dará no alto de Lago Laceno, após 9 km de escalada.

Uma etapa com um trajeto belo demais para um pelotão tão sem graça. Mas entremos na máquina do tempo e vamos até 1998, quando o Giro passou por alí!

1998 – Um Giro de Gigantes

Era a 81a. edição da Corsa Rosa e grandes nomes do ciclismo da época participaram, tonando-o épico. O pelotão percorreu 3.811 km, em 22 etapas – bem mais duro do que atualmente.

E foi um Giro bem internacional também, pois largou na França (Nice), passou pela Cidade-estado de San Marino e antes de terminar em Milão teve duas etapas na Suiça. Mas notem que era tudo pertinho, nada de pegar avião como este ano na Dinamarca…

Curiosamente, assim como neste ano, em 1998 a primeira etapa com subida dura aconteceu em Lago Laceno (na 6a “tappa”, enquanto que amanhã será a 8a).

No campo do sprint, se em 2012 a grande estrela é o campeão mundial Mark Cavendish, em 98 brilhava Mario “Re Leone” Cippolini, sempre embalado pelo seu “red train” da Saecco.

O Grande Mario e sua Saecco foram surpreendidos nas primeiras etapas, quando um ataque surpresa de Mariano Piccoli tirou dele uma vitória certa na primeira etapa. Depois tivemos uma verdadeira zebra, com a vitória do sprinter espanhol Angel Edo na 2a etapa. Mais uma surpresa – esta mais moderada – foi quando o rápido italiano Nicola Minali o bateu na 4a. Detalhe, Minali não era um qualquer, pois venceu 2 vezes Paris-Tours (a Clássica dos Sprinters e uma dúzia de etapas de Grand Tours).

Minali bate os homens rápidos da época (em 4o ficou um então jovem Alessandro Pettachi e em 5o um já coroa Silvio Martinello, hoje comentarista da RAI). Cippo caiu antes do sprint final.
 

Dali pra frente só deu Saecco. Cippo venceu 4 etapas e venceria facilmente a Maglia Ciclamino da Classificação por Pontos, mas – como aconteceu mais de uma dezena de vezes em Grand Tours – ele abandonou a prova enquanto se arrastava pelas montanhas da 3a semana de prova.Cipo à frente de Minali (esq.) e Edo (dir.): dominação em Grand Tours...até as montanhas chegarem

 

Com a desistência de Cippolini, o seu embalador-mór Gian Matteo Fagnini assumiu o papel de sprinter-maison da equipe e, para surpresa de muitos, venceu as duas últimas etapas planas daquele ano, incluindo a prestigiosa etapa final de Milão, em frente da lindíssima catedral do Duomo!!

O Lançador se torna Finalizador. Fagnini vence debaixo d’água vestido de Azzurra (líder da Classifica Intergiro – sprints intermediários)
 

Classificação Geral – aqui a corrida tinha um favorito absoluto e alguns ótimos candidatos para o pódium. O nome da prova era Alex Zulle, que após anos na forte equipe espanhola ONCE, mudou e assumiu a liderança da ainda mais forte francesa FESTINA.

Este suiço chegava naquele Giro trazendo na bagagem o bicampeonato da Vuelta a España (97 e 96), o título de Campeão Mundial de CRI (96) e um 2o lugar no Tour de France 1995, logo atrás de um certo gigante de nome Miguel Indurain.

A concorrência italiana daquela época era famosa por serem excelentes escaladores (e se odiarem!) – Marco Pantani, Ivan Gotti (vencedor do Giro 97) e os futuros bicampeões Gilberto Simoni e Paolo Savoldelli. Lá estava também a estrela russa Pavel Tonkov, vencedor do Giro 96.

Traduzo abaixo um texto do livro “The Story of the Giro d’Italia” (que acabei de achar na internet e quero comprar!!):

“Havia consenso entre a maioria dos competidores, diretores esportivos e jornalistas que Alex Zulle era o favorito para o Giro 1998. Alex Zülle era o homem a ser batido. Ele era um tremendo contra-relogista e os 80 quilometros de CRI certamente jogavam a seu favor. Ivan Gotti, arquirival da Polti, declarou que tanto CRI daria a Zulle uma vantagem de 4 minutos sobre os escaladores italianos, que deveriam ser compensadas nas montanhas. Mais fácil falar do que fazer, Zulle era também um excelente escalador, capaz de vencer qualquer Grand Tour.

Por outro lado, ninguém dava muita bola para Marco Pantani, que era considerado super escalador, mas sem qualquer chance de vencer um Giro com tanto contra-relógio pela frente.

Zulle venceria o Prólogo, a primeira etapa de montanha (justamente esta de Lago Laceno), destroçando os escaladores italianos e o contra-relógio de Trieste (15a etapa). Lembro-me como se fosse hoje, pois assisti ao vivo pela RAI, a depressão da italianada: ciclistas e jornalistas diziam que o Giro havia terminado antes do final da 2a semana. O suiço parecia vir de outro planeta, tamanha sua superioridade.

Zulle “O Extraterreste” trucida os escaladores italianos em Lago Lucena

 

Só que, de repente, sem qualquer explicação plausível, Alex Zulle teve uma sucessão de panes quando o Giro chegou nas Dolomites (etapas corridas nas duríssimas Selva di Val Gardena, Alpe di Pampeago e Plan di Montecampione) e despecou na “Classifica Generali” – terminou fora do Top 10, a mais de 30 minutos de Pantani.

Para mim, Zulle, que havia entrado de cabeça no “esquemão” do doping da FESTINA (lembram do escândalo do Tour 98?), resolveu aliviar para não ser pego – sua queda de rendimento foi abrupta demais para ser apenas má forma.

Zulle sofre nas montanhas das 3a semana e não seria um lanchinho que mudaria seu destino

 

Por outro lado, Marco Pantani (Mercatone Uno) e o russo Tonkov (MAPEI) disputaram arduamente a vitória final, com cada um levando uma etapa de alta montanha. A etapa de Plan de Montecampione foi lendária, com Pantani atacando o russo continuamente até que este cedessse faltando apenas três quilometros para a chegada.

Pantani x Tonkov: passo forte só interrompido por sequênciais ataques fulminantes

 

Mas ainda teria mais emoção: o contra-relógio final, corrido na Suiça (entre Mendrisio e Lugano), favorecia Tonkov – vocês não fazem ideia como Pantani era ruim como passista. Mas Pantani fez o contra-relógio da vida dele e levou sua primeira e única Maglia Rosa.

Ao final, a Classificação Geral mostrou que o Giro 1998 foi uma corrida entre dois homens e terminou assim:

  1. Marco Pantani
  2. Pavel Tonkov a 1’33”
  3. Giuseppe Guerini a 6’51” (a)
  4. Oscar Camenzid a 12’16” (b)
  5. Dani Clavero a 18’04”

(a) Guerini era um super escalador e levou a 17a tappa em Selva di Val Gardena porque Pantani gentilmente não sprintou, num típico acordo de cavalheiros. Mas ele era um sério candidato a vencer o Giro no futuro até que, mais preocupado em ganhar EUROS do que corridas, este franzino italiano foi correr para a T-Mobile como escudeiro de Jan Ullrich nas monstanhas do Tour de France.

(b) O suiço Camenzid seria Campeão Mundial meses seguintes, na Holanda. Nunca venceu tudo aquilo que se esperava dele, até que acabou a carreira em desgraça em função de tantas suspensões por doping.

Acabava o Giro d’Italia e toda uma nação voltava a delirar pelo ciclismo. Um ídolo do povo voltava a vencer. Toda a esperança colocada em Marco “Il Pirata” Pantani ao longo dos anos finalmente frutificara. A vitória, em julho seguinte, no Tour de France o colocou no panteão dos Campionissimi do ciclismo italiano. O que viria depois seria só tragédia, no entanto.

 A dor estampada no rosto de Pantani. Ele sofria, mas impunha o dobro de sofrimento em seus rivais

 

Então, toda essa história por causa da etapa de hoje em Lago Lucena. Mas dá para comparar este Giro com aquele de 1998? Você me responde.

Ciao amici! F.

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