Bonjour!
Le Tour de France 2012 está chegando e surgiu a ideia de analisar o Tour a cada 10 anos, nos anos terminados em ‘2’, desde 1972. Curiosamente, os 4 vencedores das 4 provas disputadas nos últimos 40 anos foram os GRANDES ciclistas deste período.
Lamentavelmente o mesmo não acontecerá neste ano, pois, no máximo, teremos Cadel Evans conquistando seu segundo Tour – e não muita coisa antes disso (um Mundial e uma Flèche Wallone são os grandes destaques da sua carreira). Seus rivais diretos venceram ainda menos. O Tour poderá até ser disputado, equilibrado…mas não terá campeões com o mínimo de carisma. E eu sou daqueles que acha que é isso que nos faz sonhar.
Pior de tudo isso é que caras como Evans, Wiggins, Sanchez (taí um pódium possível, né?) já passaram dos 30 e não vencerão grande coisa mais na vida…e, posso piorar?, não tem uma geração forte vindo aí.
Mas o que aconteceu nas últimas décadas, no Tour de France de ano “2”:
1972: Eddy Merckx
Este Tour teve 20 etapas e uma distância de 3.846 km – bruto! A média horária fora de 35,4 km/h – parece baixa para os padrões de hoje, mas se considerarmos a diferença de equipamento, alimentação, treinamento etc., aposto que os ciclistas de hoje ficariam longe disso.
O Canibal chegou neste Tour já tendo vencido, apenas no ano de 1972, mais do que a maioria do pelotão vence na carreira toda: o Giro d’Italia e as Clássicas Milano-San Remo, Liège-Bastogne-Liège e Fléche Wallone…mais tarde ainda venceria mais um “Monumento”: o Giro di Lombardia. Um monstro!
Largando com a camisa do Arco-íris, por ter sido Campeão Mundial em 1971, ele conquistaria a sua 4a vitória consecutiva, tendo como companheiros de pódium o campionissimo italiano Felice Gimondi (a 10 minutos…hoje isso seria impensável, pois ninguém ataca de longe!) e o ‘eterno segundo’ Raymond Poulidor, da França.
O Grande Eddy venceu 6 etapas e também a Classificação por Pontos – mesmo não sendo sprinter – e ficou em segundo na Classificação das Montanhas, só perdendo para o imbatível Lucien van Impe (uma espécie de Richard Virenque dos anos 70 e 80).
Abaixo, Merckx impõe o rítmo, com Ocaña à esquerda e Poulidor à direita
Eram outros tempos: os belgas, em conjunto, venceram 14 etapas de um total de 20! Incrível! Já a França colocou 4 ciclistas entre os Top 10 e Portugal teve o seu lendário Joaquim Agostinho em 8º (foi 3º da Classificação das Montanhas!).
A corrida – este Tour era cercado de expectativa em função do drama e controvérsia do ano anterior, quando um superior Luis Ocaña se arrebentou e abandonou a prova vestindo o Maillot Jaune…para em seguida dizer que Merckx não merecia a vitória. Merckx também disse isso, mas Ocanã foi deselegante e o belga veio com sede de vingança.
Eddy passou a primeira semana da competição, em terreno plano, disputando os sprints intermediários, à caça de bonificações de tempo – sempre trocando ombradas com o favorito para o Maillot Vert, o francês Cyrille Guimard. Agora fala sério comigo: dá para imaginar Armstrong, Contador, Schleck etc., fazendo isso?
Abaixo, fuga no plano: Merckx e Thevenet (Peugeot), candidatos ao Maillot Jaune, atacam antes das montanhas, levando juntos sprinters (Guimard, de Verde, atrás de Merckx, e Godefroot, vestido de “tricolor belga”).
Nas montanhas, os “suspeitos” de sempre (Ocaña, Poulidor, Zoetemelk, Thevenet, Van Impe, Agostinho) atacavam o Rei, mas sem sucesso. Ocaña levaria mais um tombo, perdendo pouco mais de 1 minuto, e alegando uma infecção pulmonar abandonou a prova quando já estava a 5 minutos de Merckx. Este Tour foi, de fato, uma grande luta…pelo segundo lugar.
E uma última palavra vai para o Homem – e não para o Campeão – Eddy Merckx: ao final do Tour, Eddy presenteou o seu Maillot Vert para o francês Guimard, que abandonara a prova dias antes, vestindo justamente esta túnica de Rei dos Sprinters. Cavalheirismo, fidalguia sem igual.
1982: Bernard Hinault
Corrido num total de 3.507 km, em 22 etapas, a média horária deste Tour foi de 38,0 km/h. Considerado como sendo quase que um passeio ciclístico para Bernard Hinault, ele se deu ao luxo de disputar o sprint no Champs Elysee…e vencer os sprinters na sua arena maior! Lendário!
O maior campeão da história do ciclismo francês – e para mim o segundo maior da história – chegava ao Tour ao melhor estilo Eddy Merckx: tinha vencido o Giro d’Italia (e 4 etapas) semanas antes – só que não tinha vencido nenhuma Clássica. No fim do ano venceria mais um GP des Nations.
Abaixo, Hinault em fuga no Giro 82, com a fera sueca Tommy Prim (Bianchi) e o eterno Rei da Montanha, o belga Van Impe (já vestido de Re de la Montagna)
Em termos de carreira pré-1982, ele já era o melhor do mundo, tendo vencido até aquela data as seguintes grandes competições: 3 Tour de France, 2 Giro, 1 Vuelta, 1 Mundial, 1 Roubaix, 2 Liège, 1 Flèche, 1 Lombardia, 1 Amstel, 3 GP des Nations etc. Comparável? Só Merckx!
No pódium Hinault estava acompanhado do seu ‘sparring’ holandês Joop Zoetemelk, que pela terceira vez ficava em segundo para o francês (venceu em 80, mas por conta do abandono do Blaireau graças a uma tendinite). Os 6 minutos que o bretão colocou em Zoetemelk foi uma formalidade, pois se atacasse com mais vontade teria feito um estrago épico, como havia feito em 1981 (15 minutos em cima deVan Impe).
Abaixo, Hinault força o rítmo com os melhores da época: atrás, Robert Alban (Motobecame, 3o do Tour 81) e Raymond Martin (Coop, 3o deste Tour 82).

Ao final, foram 4 vitórias de etapa do Grand Breton. E uma curiosidade impensável nos dias de hoje: 4 holandeses no Top 10 (Zoetemelk em 2º, Van de Velde em 3º, Winnen em 4º e Kuiper em 9º – os 4 correndo para 4 equipes diferentes).
Abaixo, algo que nem Merckx: vestido de Jaune, Hinault bate os sprinters e leva a etapa final do Tour nos Champs Elysee! À sua esquerda o holandês Adrie van der Poel, e logo atrás, com a cabeça erguida, o derrotado Maillot Vert Sean Kelly. 
1992: Miguel Indurain
Com o Tour já num estilo mais moderno e similar ao que temos hoje, o espanhol firmava-se como herdeiro das glórias de Merckx e Hinault. Era a segunda vitória consecutiva do Navarro, que esmagara seus adversários no contra-relógio e gerenciava a fúria dos escaladores nas montanhas.
E reparem na diferença de média horária deste Tour: 39,5 km/h (3.975 km para 21 etapas).
Numa imensa coincidência, mais uma vez o vencedor do Tour de ano com final “2” venceria também o Giro d’Italia semanas antes. E nada mais desta vez. Miguel Indurain, como ciclista, era um animal diferente de Merckx e Hinault. Seguindo a filosofia introduzida por Greg Lemond, ele corria pouco e seu foco era vencer o Tour de France. Miguel ainda fez mais um “double” Giro-Tour em 1993 e praticamente não venceu mais nada…além do seu amado Tour de France.
O gigante espanhol venceu 3 etapas daquele Tour, mas foram os 3 CRIs. Numa espécie de maldição, Indurain nunca voltaria a vencer uma etapa em linha desde que começou a vencer a Classificação Geral do Tour. Antes disso, em 1989 e 1990, vencera duas etapas de montanha. Naqueles dias, a estrela espanhola era o segoviano Pedro Delgado e Miguel apenas um gregário que tomava dezenas de minutos na Geral – até se transformar. Em 1991, ele mudara de patamar, se tornaria a estrela maior do pelotão e sofria marcação cerrada e ataques fulminantes de tipos como os italianos Claudio Chiappucci e Gianni Bugno, respectivamente 2º (a pouco mais de 4 min.) e 3º (a mais de 10 min.) deste Tour 1992.
Abaixo, cena forte do Tour 1992: no CRI em Luxemburgo, Indurain coloca mais de 3 min em Giani Bugno e acaba com o moral dos italianos escaladores antes da 1a etapa de montanha. Detalhe: o Navarro (quase basco) era Campeão Espanhol mas se recusou a usou a camisa “Tricolor”, limitando-se às barras da camisa (amarelo-vermelho).
Lembro-me como se fosse hoje do ataque de Claudio “Il Diavolo” Chiappucci na etapa Saint Gervais – Sestrieri, de “apenas” 254 km, subindo e descendo montanhas. Ele apavorou toda a caravana do Tour e a mídia, pois sua vantagem aumentava a cada quilometro e todos acreditavam que ele vestiria o Maillot Jaune. Mas Don Miguel, tal qual uma máquina, foi sistematicamente reduzindo a diferença na rampa final de Sestriere e salvou o seu segundo Tour de France.
Abaixo, a cena mais comum do Tour 92: Chiappucci faz o “forcing” na montanha, com seu arquirival italiano Bugno na roda, e Don Miguel limitando as perdas para depois descontar no contra-relógio
Chiappucci era uma espécie de Pantani naqueles dias. Atava com menos tática e mais coração. Rolava pessimamente e por causa disso nunca venceu um Grand Tour – tanto no Tour de France quanto no Giro d’Italia obteve dois segundos e um terceiro lugares, totalizando 6 honrosos pódiuns! Também venceu uma Milano-San Remo, em 1991, atacando a mais de 50 km da meta.
Uma curiosidade final: fato raro, a equipe italiana Carrera Jeans-Vagabond colocaria 3 ciclistas entre o Top 10! Chiappucci em 2o, Giancarlo Perini (gregário!) em 8o e o veterano campeão Stephen Roche em 9o. Roche teve um ano de 1987 lendário, tendo vencido Giro, Tour e Mundial (igualando o feito de…Merckx, em 1974). A vitória de etapa do irlandês foi pura emoção e lágrimas, pois este foi o seu Tour de despedida. Até hoje eu desconfio que o pelotão “tirou o pé” para que este simpático campeão se despedisse em grande estilo.
2002: Lance Armstrong
Neste ano, pela primeira vez a organização do Tour de France reduziu as distâncias das etapas sob a justificativa oficial de “lutar contra o doping no ciclismo”. A quilometragem somou apenas 3.277 km, distribuídos em 21 etapas, para uma média horária forte: 39,98 km/h.
A história mostraria que o doping estava pra lá de presente neste Tour e nos próximos também. Mais da metada do Top 10 viria a ser envolvida em escândalos neste ano ou nos seguintes…
A superioridade de Lance Edward Armstrong (nascido Gunderson…sobrenome do pai que o abandonou) e de sua equipe US Postal Service era patética. O “trem” azul Made in USA (com alguns “importados”) tomava a ponta do pelotão no início da última montanha e dizimava a concorrência: começava com Hincapie e Ekimov, avançava com Peña e Loyds (aquele!), e depois a “fúria espanhola” ia para a ponta, com Rubiera e Heras, para estraçalhar os últimos teimosos. No final, Roberto Heras (vencedor de 3 Vueltas, menos uma por desclassificação por doping…) acompanhava o texano até o final.
Abaixo, cena comum #1: a Máquina de Destruição em Massa de Lance Armstrong
Abaixo, cena comum #2: Roberto Heras arrastando Armstrong montanha acima
Abaixo, cena comum #3: Beloki (ONCE) na roda Armstrong.
Aliás, o grande destaque entre as nações foi a Espanha, que vivia a geração pós-Indurain: foram 5 (cinco!) deles entre os Top 10: Joseba Beloki (ONCE, 2º), Igor Gonzalez de Galdeano (ONCE, 5º), Francisco Mancebo (Iles Baleares, 7º), Roberto Heras (USPS, 9º) e Carlos Sastre (CSC, 10º).
Para surpresa geral, outro ibérico, consideravelmente desconhecido, andou e forte e garimpou um 5º lugar: José Azevedo, que mais tarde seria contratado pela…US Postal Service! Outra surpresa foi ver um colombiano voltar a brilhar no Tour, após Lucho Herrera nos anos 80 e Fabio Parra em 1990: o simpático Santiago Botero, que corria pela lendária equipe Kelme, venceu 2 etapas (1 CRI e 1 de montanha), para ficar num fantástico 4º lugar na Geral.
Enfim, apesar da vitória acachapante de um ciclista americano e de uma equipe americana, foi um Tour ibero-latino americano: somando espanhóis, português e colombiano, foram 7 entre os 10.
Curiosidade mórbida: alguém se lembra do obscuro lituano Raimondas Rumsas? Ele foi a zebra deste Tour, ao correr pela italiana Lampre e subir no pódium em 3º. Só que sua “santa esposinha” Edita Rumsiene fora presa na França – enquanto o marido era premiado –, carregando uma tonelada de produtos dopantes. Ele não perdeu seu pódium, mas curiosamente perdeu as pernas e nunca mais correu nada que prestasse.
Eu e o Tour de France 2002 – eu fazia 40 anos de idade e o meu filho Fábio 15, então nós nos demos uma viagem de presente: fomos assistir o GP da França de F-1 em Magny Cours e algumas etapas do Tour. Nesta corrida vimos a lenda Michael Schumacher conquistar seu 5º título mundial, igualando-se ao argentino Juan Manuel Fangio, outra lenda deste esporte. O alemão ainda ganharia mais dois títulos.
Um momento inesquecível foi assistir a primeira etapa de montanha do Tour, em La Mongie (metade da subida para o Tourmalet). Quando Roberto Heras foi para a ponta, seu rítmo foi tão forte que apenas seu líder, Armstrong, e o arqui-rival Beloki aguentaram sua roda. Em dado momento, o próprio Lance teve que pedir para Heras reduzir o passo. Inacreditável! O texano venceu a etapa, arrancando a 300 metros da chegada e abrindo uns poucos segundo de Beloki e de Heras.
Nas estradas francesas nos divertimos colhendo autógrafos e tirando fotos com campeões. Deu para perceber que a turma da USPS era um nojo…falei com o Johan Bruyneel e quase vomitei. Mas foram ótimos momentos com Santiago Botero e David Millar, da Escócia (que viria a ser suspenso por uso de EPO anos depois…mas se limpou e corre até hoje, fazendo campanha aberta contra o doping).
Mas o campeão da simpatia fora…um brasileiro: Luciano Pagliarini! Com seu sorriso largo e fúria nos pedais, nos encontramos com ele em Pau e foi uma festa só. Luciano, com apenas 24 anos de idade, era quem pilotava o veloz e experiente checo Jan Svorada no sprint. Mas, diferente da maioria dos embaladores, ele não abandonava o sprint quando o seu líder arrancava. Pagliarini continuava socando os pedais até o final e, apesar do esforço brutal dos últimos quilômetros, sempre ficava entre os 10 do sprint final. Depois disso o encontrei no Mundial de Sttutgart, numa situação absurda: a seleção brasileira teve suas bicicletas roubadas na noite anterior, no hotel, e o nosso campeão teve que correr com uma máquina fora de medida e não teve como terminar a prova. Murilo Fisher chegou em 20º naquele dia.
Ver dois brasileiros disputando um Mundial na elite-da-elite do ciclismo era impensável para mim nos tempos em que eu acompanhava Merckx e Hinault pela revista Mirroir du Cyclisme. Naqueles anos, craques como Antonio Silvestre, Jair Braga, Gilson Alvaristo e tantos outros não tinham oportunidades para correr na Europa. Mauro Ribeiro foi a exceção que confirmava a regra.
Abaixo, o Brasil brilhando no ProTour com Luciano Pagliarini (Tour Langkawi) – simpatia e velocidade Made in Brasil

E quem venham outros Pagliarinis e Fishers, porque o Brasil precisa!
Abraços,
Fernando